Pela manhã deixo-o entrar e num ápice enche-me a cozinha, e o coração. É como se ambos esperássemos por aquele momento, que se tornou num verdadeiro ritual. Ligo a chaleira eléctrica, e em poucos segundos tenho já no balcão uma chávena de chá cheiinha até cá acima. Entretanto escalfo um ovo, ao mesmo tempo que na torradeira coloco duas fatias de pão. Sem perder pitada, segue-me os gestos, e vem deitar-se aos meus pés. Na rádio oiço dos salários em atraso dos jogadores profissionais de futebol, entre um golo de «earl grey», e uma torrada com uma fatia de fiambre. Depois ele já advinha o que se segue, e olha-me como se me interrogasse: - «Do que estás à espera»? Então, pego num pedacinho de ovo, envolvo-o no fiambre da torrada que fica pendurado a mais, e ele vem comê-lo à minha mão. A cena repete-se até lhe dizer: - «Chega, este é o último»! Isto em inglês, porque ao contrário da Daisy, que é bilingue, o Rico apenas fala uma língua só! Por vezes até condescendo, e lhe dou um pouco mais. Ainda oiço a previsão de sol para todo o país, apesar da ligeira descida das temperaturas, acabando por me cansar do noticiário. Mudo de frequência, e parece que estamos com sorte ao apanhar o início do concerto de Mozart, para clarinete e orquestra, em lá maior. Imediatamente trocamos sorrisos. Ah isto sim, é do agrado dos dois. Por esta altura saboreio meia toranja, com uma colherzinha de mel, que trouxe da última visita a Monchique. Terminado o repasto, e toda uma partilha, limpo-lhe os olhos meigos, dou-lhe uma escovadela, e em troca recebo daquela volumosa personagem com mais de 70 quilos toda uma óptima energia, que me irá durar o dia inteiro! O Rico é único, e não o trocaria por nada nesta vida. Aquele agitar de rabinho, o brilho do olhar, e toda a comoção e necessidade de me ter por perto, fazem dele um aliado por excelência.