Friday, November 20, 2015

Ter não sei quê




Ah, quanta vez, na hora suave 
Em que me esqueço, 
Vejo passar um voo de ave 
E me entristeço!
 
Porque é ligeiro, leve, certo 
No ar de amavio? 
Porque vai sob o céu aberto 
Sem um desvio?


Porque ter asas simboliza 
A liberdade 
Que a vida nega e a alma precisa? 
Sei  que me invade
 
Um horror de me ter que cobre 
Como uma cheia 
Meu coração, e entorna sobre 
Minh'alma alheia


Um desejo, não de ser ave,  
Mas de poder 
Ter não sei quê do voo suave 
Dentro em meu ser.




Fernando Pessoa in Poesia 1918-1930 , Assírio & Alvim