Friday, August 31, 2012

Se fosses um peixe


As flores que devoram mel
ficam negras em frente dos espelhos.

Os animais que devoram estrelas em frente dos espelhos
ficam brancos por detrás dos pêlos
ou das plumas da idade.

As pedras por onde circula a água
ficam vivas de tanto cantar e, quando se voltam,
atingem a sua maior velocidade interior.

Se vêm às portas ver quem bate,
os lençóis cobrem-se de respiradoras —
quando regressam ao sono, deixam as mãos abertas.

Se é uma estátua que bate,
corre-lhe o sangue pela boca, e sobre os ombros
torcem-se os cabelos,
e as asas tremem em frente da porta.

Se é um retrato,
sorri sufocado pela noite adiante.

Os espelhos são negros como os jacintos
da loucura.

Os crimes que olham para o espelho têm uma vibração
silenciosa.

Se é uma criança, diz:
eu cá sou cor-de-laranja.

Porém às vezes é bom ser branco,
é bom estar deitado.

O mel faz bem às pedras,
atrai os olhos dos anjos.

Quem aplaina tábuas
acumula uma obscura sabedoria.

Olha para os espelhos,
tens um talento assimétrico de assassino.

Vê-se nos teus ramos frutos negros
contra a paisagem móvel.

Se fosses um peixe,
a porta estaria nas águas mais íntimas, frias, límpidas
e caladas.

E não batias — cantavas a tua síncope
terrível.

Nada se veria na vertente do espelho.

Serias como uma máquina cor de cal
respirando.

Por isso te ofereço este ramo de lâminas
e um fato de perfil — e andas nos labirintos.

Por isso te sento numa cadeira de ar.

Por isso somos os dois um quadrúpede de seda
de uma beleza truculenta.

Temos toda a vigília para encher de silêncios.

Pensamos os dois o mesmo corpo inaugurado.

As flores que devoram mel tornam negros
os espelhos.

As colinas vão olhando, e tremem na nossa carne
as estampas de ouro
extenuante.

Por isso, por isso, por isso —
somos assim
obscuros.

herberto helder in apresentação do rosto
editora ulisseia 1968

Thursday, August 30, 2012

Sinal de passagem






É ao final das tardes soalheiras
que acolho a paisagem
do mesmo horizonte
onde figos de ramos vergados sabem a mel
em campos dourados por um sol ofuscante

Wednesday, August 29, 2012

Recorrências


Um dos prazeres do Verão é abrir as janelas, e deixar o ar entrar com o objectivo de o renovar e refrescar a casa, impedindo que o calor permaneça. Evita-se, assim, cair em indolência, contemplando por entre o movimento esvoaçante dos cortinados as pequenas flores emergindo de um vaso, ou tão-somente o esplendor do sol.

Tuesday, August 28, 2012

Os ritmos da noite








As mãos pousam no ombro, ou são entrelaçadas, as ancas movimentam-se de forma sensual e instintiva, e em plena pista de dança, os passos têm características próprias. Sentir a salsa ao som de ritmos cubanos, embalou-me, em mais uma noite de Verão.

Sunday, August 26, 2012

Meditativa


Saturday, August 25, 2012

O tesouro


Vamos descobrir um tesouro naquela casa?
- Mas não há nenhuma casa...
- Então vamos construí-la! 

Groucho Marx

Friday, August 24, 2012

A meio da estrada



Por entre casas caiadas
de luar e de silêncio,
paira no meio da estrada
a poeira de outros tempos...

David Mourão-Ferreira

Thursday, August 23, 2012

Quem?


Quem nos deu asas para andar de rastos?
Quem nos deu olhos para ver os astros
- Sem nos dar braços para os alcançar

Florbela Espanca in Não ser

Wednesday, August 22, 2012

Tuesday, August 21, 2012

Dias de nada


Venham enfim as altas alegrias.
As ardentes auroras, as noites calmas,
Venha a paz desejada, a harmonia.
E o resgate do fruto, e a flor das almas.
Que venham, meu amor, porque estes dias
São de morte cansada,
De raiva e agonias
E nada.

José Saramago

Monday, August 20, 2012

Cada árvore


Nada existe por mera coincidência, cada árvore no jardim da vida tem o seu significado.

Brahma Kumaris

Sunday, August 19, 2012

Fim da história


não é muito claro
o destino incógnito
quando em velocidade lenta
se cai na ilusão
de um mundo que não existe mais

Friday, August 17, 2012

Indignados


É um fenómeno curioso: o país ergue-se indignado, moureja o dia
inteiro indignado, come, bebe e diverte-se indignado, mas não passa
disto. Falta-lhe o romantismo cívico da agressão. Somos, socialmente,
uma colectividade pacífica de revoltados.

Miguel Torga in Diário IX -  Chaves, 17 de Setembro 1961

Thursday, August 16, 2012

Expressão individual


Wednesday, August 15, 2012

Nos dias quentes


mais perto da natureza
do vento e sol
e tudo o mais que se esfuma
em sucessão de movimentos
sujeitos a rápidas mutações
por vários dias consecutivos
entre uma imagem e outra
por esta onda de calor
em que palmilhamos a praia
quando a brisa sopra do mar
quase sem darmos conta
conscientes dos seus efeitos

Tuesday, August 14, 2012

Quase


és sempre a paisagem  que eu estive quase para
poder
ver

Fernando Pessoa in livro do desassossego

Monday, August 13, 2012

A noite é muito longa

Atravesso o deserto e amo-te, amo-te, o rubi com asas dentro que trazes no coração é uma fada protegendo-me, com desmedida volúpia acaricio os teus ombros, o corvo foge a toda a velocidade, a noite é muito longa mas nós não dormiremos, por esses cabelos luminosos é que o futuro chega, nos conduz ao litoral, nos leva até à criança que há em nós, esperemos que a criatura justa volte a nascer, os pequenos sonhos se façam realidade, a salvação, desta vez, seja total e definitiva.

Amadeu Baptista in de Maçã, 1986

Saturday, August 11, 2012

Todos os ventos


Rosa sempre chega assim, inesperada, vem de súbito.
Da mesma forma inconseqüente desaparece...
Fuxicos, arengas, xeretices, pois em verdade
Ninguém sabe nada de concreto sobre Rosa.
Rosa brincava com as algas, todos os ventos em seus cabelos.
Todos os ventos, do norte e sul, o vento terrível do noroeste.
Na canoa ancorada ela deitava, a cabeça de fora, o cabelo no mar.
Parecia cabeça sem corpo, saindo d´água, dava arrepio.
Rosa maluca, Rosa do cais, tanta vezes mentias!

Jorge Amado (1912 – 2001)

Friday, August 10, 2012

Derradeiro beijo


Thursday, August 9, 2012

Afirmação



A dupla constituída por Emanuel Silva e Fernando Pimenta, conquistou na prova de 1,000 metros de canoagem na categoria K2 a primeira medalha para Portugal, nos Jogos Olímpicos de Londres 2012, contribuindo para prestigiar o desporto nacional. Parabéns aos dois.

Tuesday, August 7, 2012

Memórias da noite





No Oura View Beach Club a gastronomia de alta cozinha aliou-se à cultura, em perfeita conjugação com a actuação da Orquestra italiana Giovani Musicisti, num ambiente tropical, numa noite de Agosto com luar.

Monday, August 6, 2012

O mundo vigiado


Sunday, August 5, 2012

O teu sopro

Então sento-me à tua mesa. Porque é de ti
que me vem o fogo.
Não há gesto ou verdade onde não dormissem
tua sombra e loucura,
não há vindima ou água
em que não estivesses pousando o silêncio criador.
Digo: olha, é o mar e a ilha dos mitos
originais.
Tu dás-me a tua mesa, descerras na vastidão da terra
a carne transcendente. E em ti
principiam o mar e o mundo.
Minha memória perde em sua espuma
o sinal e a vinha.
Plantas, bichos, águas cresceram como religião
sobre a vida – e eu nisso demorei
meu frágil instante. Porém,
teu sinal de fogo e leite repõe a força
maternal, e tudo circula entre teu sopro
e teu amor.

Herberto Helder

Wednesday, August 1, 2012

Reflexão

Quem em Agosto ara, riquezas prepara


Ditado popular