Do outro lado de mim, lá para
trás de onde jazo, o silêncio da casa toca no infinito. Oiço cair o tempo, gota
a gota, e nenhuma gota que cai se ouve cair. Oprime-me fisicamente o coração
físico a memória, reduzida a nada, de tudo quanto foi ou fui. Sinto a cabeça
materialmente colocada na almofada em que a tenho fazendo vale. A pele da
fronha tem com a minha pele um contacto de gente na sombra. A própria orelha,
sobre a qual me encosto, grava-se-me matematicamente contra o cérebro.
Pestanejo de cansaço, e as minhas pestanas fazem um som pequeníssimo,
inaudível, na brancura sensível da almofada erguida. Respiro, suspirando, e a
minha respiração acontece - não é minha. Sofro sem sentir nem pensar. O relógio
da casa, lugar certo lá ao fundo das coisas, soa a meia hora seca e nula. Tudo
é tanto, tudo é tão fundo, tudo é tão negro e tão frio!
Bernardo Soares in livro do
desassossego