Após um período de adolescência, em que até a carteira do colégio partilhámos, seguindo diferentes rumos, os encontros passaram a ser fugazes, e na maioria das vezes apenas por ocasião de algum casamento, ou morte de um familiar. Porém, o acaso levou a que a voltasse a procurar, decorridos todos estes longos anos. Assim, quando pelo S. Martinho lhe bati à porta do seu novo apartamento citadino, foi num amplo open-space, com zonas distintas, que me recebeu. Numa breve visita guiada, espreitei-lhe os quartos, sinónimos de conforto e bem-estar, a banheira de hidromassagem, e o corredor transformado em galeria, com quadros de cada um dos filhos pendurados nas paredes. Regressamos à sala, onde um segundo olhar me remete para alguns móveis carregados de memória, de uma avó materna em comum. Seguidamente evocamos a juventude, na partilha dum tempo que já lá vai. Entrelaçamos episódios da vida, e falamos das inseguranças do que parecia seguro, do que aprendemos através da dor, do que faz sentido e da irracionalidade, e onde passámos a repousar as esperanças, sucumbindo de novo ao amor, quando Lisboa começa a anoitecer. Levantamo-nos seguindo a luminosidade que nos chega do exterior. É dum enorme terraço que entra pelo Tejo, com o infinito do céu sobre ambas, que me confidencia dialogar com o pai, que já partiu, em noites mais contemplativas. De dia recupera ânimos com a visita dos netos, que ali mesmo se dedicam às suas actividades favoritas, e tal como nós, perseguem sonhos daquele mesmo local. Mesmo aqueles desejos que nunca alcançaremos são os que na marcha do tempo nos farão continuar a caminhar. Antes de a deixar, ainda me oferece umas tartelettes de cebola e espinafres, que saem douradas do forno, da sua cozinha imaculadamente branca. E consolidando a tradição, o fim de tarde termina com castanhas cozidas em erva-doce, e a imprescindível água-pé. «Pelo S. Martinho prova o teu vinho, ao cabo de um ano já não te faz dano».