Monday, February 17, 2014

No enumerar das coisas

 O poema em que te busco é a minha rede,
 Bem mais de borboletas que de peixes,
 E é o copo em que te bebo: morro à sede
 Mas ainda és margarida e não-me-deixes
 E muito mais, no enumerar das coisas:
 Cordão de laço e corda de violino,
 Saliva de verdade nalgum beijo,
 E poisas
 Como ave de aço em pão se não te vejo.
 Mas onde mais real do céu me avisas
 É nas tuas camisas,
 Calças de cor no catre bem dobradas.
 E és os meus pensamentos, se te ausentas,
 Meu ciúme escuro como vinho em toalha;
 E o branco circular das horas lentas
 Que um perfurante amor lembrado espalha.
 Põe o penso no velo intercrural
 Com um atilho vertical:
 Rosa coberta esquiva
 Quer a mão do desejo, quer
 O conhecido cravo da agressão
 Que estendo às tuas formas de mulher,
 Com esta soma e verbal percaução
 De um fónico doutor de Mompilher.


Vitorino Nemésio in Caderno de Caligraphia e outros Poemas a Marga