Monday, July 4, 2016

O mar largo

Passavam pelo ar aves repentinas,
 O cheiro da terra era fundo e amargo,
 E ao longe as cavalgadas do mar largo
 Sacudiam na areia as suas crinas.

Era o céu azul, o campo verde, a terra escura,
 Era a carne das árvores elástica e dura,
 Eram as gotas de sangue da resina
 E as folhas em que a luz se descombina.

Eram os caminhos num ir lento,
 Eram as mãos profundas do vento
 Era o livre e luminoso chamamento
 Da asa dos espaços fugitiva.

Eram os pinheirais onde o céu poisa,
 Era o peso e era a cor de cada coisa,
 A sua quietude, secretamente viva,
 E a sua exalação afirmativa.

Era a verdade e a força do mar largo,
 Cuja voz, quando se quebra, sobe,
 Era o regresso sem fim e a claridade
 Das praias onde a direito o vento corre.

Sophia de Mello Breyner Andresen in Paisagem