Thursday, September 18, 2014

Pelos olhos adentro

Entrar de repente pelos olhos adentro e escancarar

as árvores: mas aquilo que amaste perdura.

Junto da água morna os animais aguardam o ruído

vegetal da noite, e as luzes bocejam

a mansidão das pernas esticadas: o amor

não tem tempo, e dura no que amaste.

Dura de repente nos olhos abertos e

a água que respira no flanco dos animais

bocejando devagar a chegada da noite e das

redes e os passos mornos dos caçadores,

e as luzes escancaradas do silêncio. Dura

esticado nas árvores, dura mansamente sem

palavras nem coisas, sem tempo para

aguardar as mãos do caçador e as redes

mornas respirando sobre a água: aquilo

que amaste perdura.



António Franco Alexandre in Sem palavras nem coisas -  Lisboa: iniciativas editoriais, 1974