E
maio empregara-se nos jardins com uma velocidade ao pé do esplendor, e tu
escrevias errado que não chegara a ser branco, e uma máquina esquecia-se e
aparecia o paraíso azul numa parte e amarelo, e as estátuas diziam sempre a
minha lembrança da luz, e voltavam-se para a esquerda e para a direita à
procura dos perfis, e a tua blusa fremia como se uma nuvem viesse por baixo, e
era tudo um instante em redor do exercício cândido, e as mãos ocupavam-se em
ter dedos - era maio: afluente do desejo, bom-dia eu estou nu, bom-dia eu estou
nua, e o sol tirava o retrato de corpo inteiro, e de repente havia um grito
narrativo, e a noite ia de um lado para o outro na voz espantosa de crianças
completamente obscuras, e o perfume aterrador do sangue trabalhava na sua voz
estrangeira, e as colinas afastavam-se para dar passagem à nossa ausência
tremendo de febre - depressa - dizia uma magnólia cega, e o radar indicava os
passos queimados em volta do êxtase, e a imprensa redigia a morte entre
parênteses distraídos, e virando de leve a cabeça um para o outro não havia
auréolas, e partíamos para a virgindade com a vocação de um crime, e já íamos
dormindo e sonhando com os pulmões a ferver.
Herberto Helder in Vocação Animal - Lisboa: Publicações D. Quixote, Maio de
1971