Wednesday, October 30, 2013

Os primeiros ensaios



Tuesday, October 29, 2013

O lugar

Levo comigo uma origem e um destino. Levo comigo um sentido. Irreversível como um mergulho, não me perturbo. Eu tenho um lugar. Sinto que lhe conheço cada detalhe e, no entanto, todos os dias o exploro e lhe encontro novidade.

José Luís Peixoto 

Monday, October 28, 2013

A via da esperança

Só lhes restava repensar as alternativas, redistribuindo os sacrifícios. Na ânsia de se alcançar um objectivo matematicamente inatingível os estragos poderiam tornar-se irreversíveis, e todos tinham consciência disso. A falta de capacidade negocial, certamente, também não lhes permitia antever um futuro brilhante, e o desinvestimento na nova geração fazia-os pensar que a curto prazo só a incerteza lhes dominaria os dias. A não ser que, algum iluminado, de entre a comunidade, encontrasse um outro caminho de reorganização suficiente para alterar as directrizes que, lhes reforçasse a confiança.

Sunday, October 27, 2013

Evocar memórias

Dedicado à minha amiga L

A conversa arrancava, sempre, à volta de África que, ela descreve de forma emotiva com depoimentos na primeira pessoa e destaque para a nostalgia. A verdade, porém, é que a vida lhe trocara as voltas, umas atrás das outras, abrindo e fechando ciclos que, a marcariam para sempre. De tal maneira que, as sensações, muitas vezes, se transformavam em imagens reais e explícitas.

Saturday, October 26, 2013

O caminho da saudade


 Regresso devagar ao teu
 sorriso como quem volta a casa. Faço de conta que
 não é nada comigo. Distraidíssimo percorro
 o caminho familiar da saudade,
 pequeninas coisas me prendem,
 uma tarde no café, um livro. Devagar
 te amo e às vezes depressa,
 meu amor, e às vezes faço coisas que não devo,
 regresso devagar a tua casa,
 compro um livro, entro no
 amor como em casa.

 Manuel António Pina

Friday, October 25, 2013

O poder dos gestos


Thursday, October 24, 2013

O fantoche

Mas, de cada vez que mentia, o nariz crescia-lhe mais um pouco, pelo que não conseguia enganar ninguém. - Não quero este nariz! – soluçou Pinóquio. - Terás que te portar bem e não mentir, voltar para casa e ir à escola. – disse-lhe a Borboleta Mágica.


Carlo Collodi in As aventuras de Pinóquio

Wednesday, October 23, 2013

A entrega

Dedicado à minha amiga L

A cozinha é onde tudo parece começar. E, logo pela manhã a tarte de maçã, o arroz doce, ou a mousse de chocolate, são, apenas, uma pequena parte das suas virtudes e a demonstração da sua versatilidade. Eficaz como poucas, para ela não há problemas irresolúveis, desdobrando-se nas mais diversas configurações. Sempre presente, quer os outros, tal como a vontade de dar, nunca são demais, e a principal razão da sua existência que, já se provou ilimitada. Tudo o resto que, ainda sobra sobre o seu modo de ser, é reforçado pelos momentos de partilha. Os ajustes de contas com o passado, já não lhe pertencem, continuando a caminhar com desenvoltura ao sabor da vida que num sopro passa.

Tuesday, October 22, 2013

Voltar atrás

A alegria que procuro é de um outrora absoluto, desde antes da infância, do eco que me transcende do passado ao futuro, me vibra com o som de uma harmonia que não sei.


Vergílio Ferreira In aparição

Monday, October 21, 2013

Proposta de passeio




À medida que andamos, a paisagem vai-se aproximando de nós, sobressaindo uma paleta de cores quentes e outonais que, verdadeiramente nos arrebatam. No distrito de Faro, concelho de Silves, a Lagoa dos Salgados fica perto da pequena localidade de Pêra a 2 km de Armação de Pêra, com acesso do lado oposto a partir de Albufeira via Vale de Parra. Ali, mesmo à nossa frente, em permanente movimento que, faz deste cenário um momento insuperável.

Sunday, October 20, 2013

O barco que a aurora leva


Caminhei sempre para ti sobre o mar encrespado

na constelação onde os tremoceiros estendem
rondas de aço e charcos
no seu extremo azulado

Ferrugens cintilam no mundo,
atravessei a corrente
unicamente às escuras
construí minha casa na duração
de obscuras línguas de fogo, de lianas, de líquenes

A aurora para a qual todos se voltam
leva meu barco da porta entreaberta

o amor é uma noite a que se chega só

José Tolentino Mendonça in A noite abre meus olhos - poesia reunida, Assírio & Alvim 

Saturday, October 19, 2013

Entrecruzados


Friday, October 18, 2013

A todos os outonos

Amor chagado, de púrpura, de desejo
Pontilhado. Volto à seiva de cordas
Da guitarra e recheio de sons o teu jazigo.
Volto empoeirada de vestígios, arvoredo de ouro
Do que fomos, gotas de sal na planície do olvido
Para reacender a tua fome.

Amor de sombras de ocasos e de ovelhas.
Volto como quem soma a vida inteira
A todos os outonos. Volto novíssima, incoerente
Cógnita
Como quem vê e escuta o cerne da semente
E da altura de dentro já lhe sabe o nome.

E reverdeço
No rosa de umas tangerinas
E nos azuis de todos os começos.

Hilda Hilst in Do Desejo - Amavisse IX

Thursday, October 17, 2013

O tombo

Alice entrou na toca atrás do coelho, sem sequer pensar como iria sair dali depois. A toca, inicialmente, alongava-se como um túnel, mas de repente abrira-se num poço, tão repentinamente que Alice não teve um segundo para pensar em parar, antes de se ver a cair no que parecia ser um orifício muito fundo.
O que iria passar-se em seguida?
Então, notou que as paredes do poço estavam cheias de armários e prateleiras. Alice abriu uma porta e viu que dava para uma pequena passagem, não muito maior que um buraco, e pensou que tantas coisas extraordinárias tinham acontecido, ultimamente, que começava a pensar que quase mais nada a iria surpreender!

Lewis Carroll in  Alice no País das Maravilhas

Wednesday, October 16, 2013

Um outro habitat




Uma visita ao parque temático do zoomarine é sempre inspiradora pelos vários divertimentos e shows dos golfinhos, focas, e aves exóticas, tentando sensibilizar o público para a conservação da natureza e das espécies.

Tuesday, October 15, 2013

A cara nova

A incerteza de direitos, e as mentiras de uns e outros, tinham-se transformado num jogo complexo entre o dito e o não dito. Para ela, nada sobrava para contrariar os efeitos perniciosos da crise. Sem tecido económico que nos proporcionasse auto-suficiência e sem saber por onde caminhávamos, novas soluções eram impensáveis. Por outro lado, a obsessão pelos números e o desfasamento da realidade tornava-os incapazes de alguma vez resolver o que um dia teriam criticado. Na sua mente, havia, apenas, dois caminhos – ou o perdão da dívida, ou uma renegociação de juros e prazos. De costas voltadas, tantas contradições descontextualizadas faziam dela a candidata insuperável para quem a política era mais do que algo meramente teatral.

Monday, October 14, 2013

Figuras clássicas


Sunday, October 13, 2013

A hora teatral

Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.
Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
– a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.
E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo.
– Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.
– E o poema faz-se contra o tempo e a carne.

Herberto Helder

Saturday, October 12, 2013

Servir e voar

Um anjo actua e voa. Desempenha uma acção e logo a seguir esquece-se dela indo além. Tal como um pássaro, deixa o seu lugar de pouso para voar, renunciando aos pés até ser livre.

Brahma Kumaris

Friday, October 11, 2013

A melhor opção







O restaurante Spikes, em Vale do Lobo, foi o local escolhido para celebrar mais um aniversário da nossa amiga Fernandinha. Foi com o campo de golfe como cenário que, desfrutámos de um maravilhoso almoço gourmet, em amena tarde de outono.

Thursday, October 10, 2013

Olhar o outono

Subitamente, a partir de uma desmultiplicação de cores, tonalidades e, luminosidade, a paisagem mudou. Apesar de mal se deixar ouvir, o outono exige um outro olhar. Afinal, a natureza tem tantas faces que, cada uma delas nos marca o percurso na fronteira entre a realidade e o imaginário.

Wednesday, October 9, 2013

Torturas da alma

Dedicado à minha amiga F

Está visto. A decisão só podia ser uma. A partir de uma coreografia era quanto bastava para que voltasse a sorrir e subtraísse, em formato aberto, todos os embates da vida. Os sons quentes da América latina causavam-lhe um intenso apelo sensorial tal que, o efeito era anestesiador por excelência. Essa atmosfera compensava-a das frustrações do dia-a-dia, redimindo-a na captação daqueles instantes verdadeiramente avassaladores. A vontade de tentar inverter uma situação menos inspirada, despertara-lhe, aquela súbita paixão, imperdível para quem gosta.

Tuesday, October 8, 2013

As cidades claras e lavadas


Sei que seria possível construir o mundo justo
As cidades poderiam ser claras e lavadas
Pelo canto dos espaços e das fontes
O céu o mar e a terra estão prontos
A saciar a nossa fome do terrestre
A terra onde estamos - se ninguém atraiçoasse - proporia   
Cada dia a cada um a liberdade e o reino
- Na concha na flor no homem e no fruto
Se nada adoecer a própria forma é justa
E no todo se integra como palavra em verso
Sei que seria possível construir a forma justa
De uma cidade humana que fosse
Fiel à perfeição do universo

Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco
E este é o meu ofício de poeta para a reconstrução do mundo

Sophia de Mello Breyner Andresen


Monday, October 7, 2013

Fora de cena


Sunday, October 6, 2013

Enquanto espero

Deixem-me agora evocar, aos goles de lembrança.
Enquanto espero que ele volte, de novo, a este pátio.
Recordar tudo, de uma só vez, me dá sofrimento. Por isso, vou lembrando aos poucos.
Me debruço na varanda e a altura me tonteia. Quase vou na vertigem.
Sabem o que descobri? Que minha alma é feita de água.
Não posso me debruçar tanto. Senão me entorno e ainda morro vazia, sem gota.

Mia Couto in O fio das missangas - Espelho

Friday, October 4, 2013

O logro

Antes de sair de casa é avisada pela mãe que não deve seguir pela floresta, pois, é exactamente naquele local que o lobo mau costuma aparecer.
Porém, sempre curiosa por conhecer novos animaizinhos, Capuchinho Vermelho aventura-se pela floresta sem ligar às recomendações da mãe. Ali, encontra o lobo mau que descobre que a avó da Capuchinho está doente e que ela vai a caminho de casa dela para lhe levar o lanche.
- Onde mora a tua avó? Quis saber o lobo.
- Ainda falta um pouco para lá chegarmos. Informou a menina.
«Hum… que menina tão tenrinha! Se me despachar, posso almoçar a avó e saboreá-la à sobremesa.» Pensou o lobo.


Conto infantil dos Irmãos Grimm

Thursday, October 3, 2013

Desconhecimento

fico admirado quando alguém, por acaso e quase sempre
sem motivo, me diz que não sabe o que é o amor.
eu sei exactamente o que é o amor. O amor é saber
que existe uma parte de nós que deixou de nos pertencer.
o amor é saber que vamos perdoar tudo a essa parte
de nós que não é nossa. o amor é sermos fracos.
o amor é ter medo e querer morrer.

José Luis Peixoto in «A Criança em Ruínas», 1ª Ed. -  Vila Nova de Famalicão, Quasi Edições, 2001

Wednesday, October 2, 2013

Cultura popular

Logo que Outubro venha, procura a lenha.

provérbio

Tuesday, October 1, 2013

A folha voante

Dedicado à minha filha Carina

Tu és a folha de outono voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade - a melhor parte de mim.


Cecília Meireles