tão fortes eram que sobreviveram à língua
morta,
esses poucos poemas acerca do que hoje me
atormenta,
décadas, séculos, milénios,
e eles vibram,
e entre os objectos técnicos no
apartamento,
rádio, tv, telemóvel,
relógios de pulso,
esmagam-me por assim dizer com a sua
verdade última
sobre a morte do corpo,
dizem apenas: igual ao pó da terra que não
respira,
o que é falso, pois eu é que deixarei de
respirar
sobre o pó da terra que respira,
entre o poema sumério e este poema de
curto fôlego,
mas que talvez respire um dia,
ou dois, ou três dias mais:
quanto às coisas sumérias: as mãos da
rapariga,
o cabelo da estreita rapariga,
a luz que estremecia nela,
tudo isso perdura em mim pelos milénios
fora,
disso, oh sim, é que eu estou vivo e
estremeço ainda
Herberto
Helder in A Morte sem Mestre - ed. Porto Editora, 2014