Monday, April 7, 2014

Abril a um canto da noite



 Amo devagar os amigos que são tristes com cinco dedos  de  cada lado.
 Os amigos que enlouquecem e estão sentados, fechando  os  olhos,
 Com os livros atrás a arder para toda a eternidade.
 Não os chamo, e eles voltam-se profundamente
 dentro do fogo.
 -Temos um talento doloroso e obscuro.
 Construímos um lugar de silêncio.
 De paixão.

 Mulheres correndo, correndo pela noite.

 Mulheres correndo, correndo pela noite.
 O som de mulheres correndo, lembradas, correndo
 como éguas abertas, como sonoras
 corredoras magnólias.
 Mulheres pela noite dentro levando nas patas
 grandiosos lenços brancos.
 Correndo com lenços muito vivos nas patas
 pela noite dentro.
 Lenços vivos com suas patas abertas
 como magnólias
 correndo, lembradas, patas pela noite
 viva. Levando, lembrando, correndo.

 É o som delas batendo como estrelas
 nas portas. O céu por cima, as crinas negras
 batendo: é o som delas. Lembradas,
 correndo. Estrelas. Eu ouço: passam, lembrando.
 As grandiosas patas brancas abertas no som,
 à porta, com o céu lembrando.
 Crinas correndo pela noite, lenços vivos
 batendo como magnólias levadas pela noite,
 abertas, correndo, lembrando.

 De repente, as letras. O rosto sufocado como
 se fosse abril num canto da noite.
 O rosto no meio das letras, sufocado a um canto,
 de repente.
 Mulheres correndo, de porta em porta, com lenços
 sufocados, lembrando letras, levando
 lenços, letras - nas patas
 negras, grandiosamente abertas.
 Como se fosse abril, sufocadas no meio.
 Era o som delas, como se fosse abril a um canto
 da noite, lembrando.

 Ouço: são elas que partem. E levam
 o sangue cheio de letras, as patas floridas
 sobre a cabeça, correndo, pensando.
 Atiram-se para a noite com o sonho terrível
 de um lenço vivo.
 E vão batendo com as estrelas nas portas. E sobre
 a cabeça branca, as patas lembrando
 pela noite dentro.
 O rosto sufocado, o som abrindo, muito
 lembrado. E a cabeça correndo, e eu ouço:
 são elas que partem, pensando.
                                                                                   
 Então acordo de dentro e, lembrando, fico
 de lado. E ouço correr, levando
 grandiosos lenços contra a noite com estrelas
 batendo nas patas

 no meio das letras, o rosto sufocado
 correndo pelas portas grandiosas, as crinas
 brancas batendo. E eu ouço: é o som delas
 com as patas negras, com as magnólias negras
 contra a noite.


 Herberto Helder