Sempre que penso em ti estás a dançar
levemente num clima de canela despenteada, ó aroma vagaroso, desordem aérea,
mas a memória tem pressa, o sangue tem pressa interna, e antes de pensar tremo,
e depois tremo, pelo meio desenvolve-se o pavor de uma beleza maiúscula, o
coração corre entre iluminuras rápidas, é uma criança sucessiva nas pautas da
musica, assim escrevo uma nação simultânea, desapareces na respiração do teu
vestido, entretanto a revelação anuncia-se pelo medo, curvas-te como as aldeias
devoradas pela lua, mais tarde sempre que penso em ti estás com um lenço
escrito nas duas mãos, e a tua velocidade abranda junto aos espelhos,
expandes-te assim lentamente gravada, és uma floresta de silêncios visíveis,
sempre que penso penso sempre ao contrário do fim, estás cada vez mais no
princípio de ti mesma, então vejo que nesse lugar é o meu começo eterno, quando
danças é um corpo rodeando a brancura rodeada ou de novo qualquer coisa
criminal entre o cuidado e o espaço, nas linhas puras da solidão arde a cabeça,
arde o vento, atrás de ti as imagens assassinas da noite - estrelas: subversão
da noite, sempre que penso em ti danço até à ressurreição do tempo.
Herberto Helder in Vocação Animal - Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1971