Saturday, October 30, 2010

Noite dos diabos

Oiço-lhes as risadas e os gritos agudos, algures, na distância. No silêncio da noite, as suas vozes ressoam incontroláveis. Monstros e diabos passam-me pela frente, uns a seguir aos outros, como se fugissem deles próprios e de mim. A lua encontra-se negra pelo poder da escuridão. E, os espíritos andam à solta, assombrando-nos o território. Directamente da linha do horizonte, atravessam-me as paredes nas suas vassouras voadoras, debaixo de um tecto coberto de teias de aranha, com caveiras incrustadas, e espelhos reduzidos a estilhaços. Amaldiçoadas bruxas que, me causam repulsa, e me deixam o sangue gelar de pavor. Lívida, e de cabelo tão desgrenhado quanto elas, sigo-lhes o rasto através do seu canto fantasmagórico, para um banquete de manjares recheado das melhores iguarias ditadas pelo imaginário.

Wednesday, October 27, 2010

Seduzida pela luz

«Tarde. Olho pela última vez a brancura imaculada dos terraços com o céu todo de oiro em cima e deixo com saudade esta luz e esta terra embruxada.
Teria aqui uma casa numa das vielas fedorentas mais escusas. Para o exterior um muro sem uma janela, um muro velho, com um postigo mais velho ainda para entrar. Aberta a porta, seria um deslumbramento: no pátio caiado, só luz e folhas gordas, da variedade dos cactos que dão flor vermelha, humedecidas de água sempre a escorrer. Teria duas escravas para me servirem frutos translúcidos acabados de apanhar.
Teria um barco para o contrabando nos mercados de Gibraltar e Marrocos, satisfazendo assim os meus velhos instintos de pirata. E de noite, a este luar que tem não sei o quê de mulher, de pele de mulher, de seios duros e brancos de mulher, dormiria na soteia sob as estrelas, grandes como fogachos.
Era viver num meio adormecimento, seduzido pela luz, fora de todos os interesses e realidades, em Portugal e no Sonho...»

Raul Brandão - Agosto de 1922

Tuesday, October 26, 2010

Em primeiro plano

Convergindo para o infinito, levanto voo um pouco tensa e um tanto assustada. Não existem barreiras neste exercício de perspectiva que, me oferece a oportunidade de evasão. Perdida no espaço, ascendo às alturas sobre as ondas dum mar que se agita, quando progressivamente tudo diminui de tamanho, tornando-se levemente distorcido. O horizonte parece-me agora bem mais longínquo. É aí, que atenta ao momento me desligo do mundo fora do meu alcance, e ganho uma outra percepção da realidade superando todos os limites.

Friday, October 22, 2010

Caso perdido

Não se lhe pode escapar. A crise anda por todo o lado. Precisamos desesperadamente de esperança, quando a miséria, o desespero, e tanta angústia nos oprimem o espírito, e nos parecem conduzir à derrota e humilhação. De pesadelo em pesadelo, continuamos a caminhada presos ao infortúnio, em torno de um destino inteiramente amaldiçoado. Será que o universo não tem simpatia por nós? As boas notícias remetem-se a um mero cantinho, continuamos a influenciarmo-nos negativamente, e deixamos os sorrisos desvanecerem-se, sem saber bem o que fazer. E, quando a suspeita se instala, e se duvida das palavras, e ninguém deseja ouvir mais a verdade, ou pelo menos tanta certeza, aceitamos a ilusão transformando-a em realidade. Dia após dia, vive-se na expectativa de que as coisas poderão piorar, e consequentemente tudo se torna ainda mais dramático. Emocionalmente abalados, e com tantos sonhos ainda por realizar, se optarmos por viver a vida com inspiração e coragem em vez de temor, redefiniríamos uma certa normalidade, em vez de nos aniquilarmos consumidos pela nossa própria dor. Rumando noutras direcções, investiríamos na mudança que tanto tarda em romper.

Wednesday, October 20, 2010

Mistério e magia

As fadas... eu acredito nelas!
Umas são moças e belas,
Outras velhas de pasmar...
Umas vivem nos rochedos
Outras pelos arvoredos,
Outras, à beira do mar...

Umas têm mando nos ares;
Outras, na terra, nos mares;
E todas trazem na mão
Aquela vara formosa,
A vara maravilhosa,
A varinha de condão.

Quantas vezes, já deitado,
Mas sem sono, inda acordado,
Me ponho a considerar.
Que condão eu pediria,
Se uma fada, um belo dia,
Me quisesse a mim fadar...

Antero de Quental

Tuesday, October 19, 2010

Cantos da casa

Percorre-me todo o comprimento da parede frente ao sofá. Não foge ao convencional, tratando-se apenas de um nicho lacado em tom marfim pálido, onde mantenho em perspectiva uma série de objectos carregados de recordações. Alguns ficam bem lado a lado, outros, apesar do desalinho, expostos em conjunto parecem adquirir um sentido de unidade. Uma ou duas peças foram colocadas estrategicamente, quando nos meses mais quentes, o sol me entra pela sala adentro reflectindo a luz e fazendo-os brilhar! Ao sabor dos dias, fixo-os e ajusto-lhes a disposição com exacta precisão, assumindo particular significado, num espaço onde o branco impera, e o tempo me liga a tantas coisas vividas de forma intensa.

Saturday, October 16, 2010

Sessão de apresentação

Numa incursão às suas múltiplas vivências como delegado de informação médica, pelos quatro cantos do mundo - Nídio Duarte deixa-se influenciar por cada um desses lugares, e reconstrói através de imagens ficcionadas o livro da sua própria experiência pessoal.
A apresentação de «Multinacionais – Histórias de um Vendedor» que, teve esta tarde lugar na Biblioteca Lídia Jorge, articulou com momentos musicais verdadeiramente inspiradores com o hábil desempenho do guitarrista peruano Juan Carlos León, ilustre professor da Academia de Música de Lagos.

Tuesday, October 5, 2010

Cem anos depois


No ano em que se celebrou o fim do regime monárquico, uma imensidão de iniciativas teve lugar desde exposições, livros, catálogos e todo o tipo de programação pedagógica, que levou o país inteiro a reflectir os ideais do republicanismo. Neste encontro com a História, fui assistir a um recital de poesia apadrinhado por Afonso Dias, onde histórias e poemas se cruzaram, conduzindo-nos a uma nova visão para Portugal.