A sua intenção foi criar um território, no qual sucessivas situações abrissem espaço a que o leitor partilhasse da sua construção. Desta forma o autor convida-nos a intervir, permitindo várias leituras de histórias que acabam por se cruzar. Como cenário temos a arquitectura duma cidade qualquer, com casas que ele atribui serem esqueletos de almas, e personagens representativas de corpos, ou não fosse o Sandro actor, encenador e director artístico. E porque somos vários homens, um a um estamos todos lá. E connosco estão não só os dejectos e o lixo urbano, mas também a náusea, a bílis verde, o sémen, o cuspo, o ranho, borbulhas e pontos negros, e muito sangue, sobretudo o que é morno, e deixa marca, que ao contrário das palavras não dá para apagar. O nojo puro está lá, ora nas costas duma mão, no rebordo duma cama, em quartos vazios, ou em acto de profanação. «O sagrado e o mundano, o crime e o maravilhoso, separados apenas por umas centenas de metros e umas quantas paredes rebocadas». E apesar de ser primavera, quase sempre a chuva cai, ininterruptamente como uma maldição, debaixo de um vento, que não se sabe bem donde vem, mas que conseguimos sentir, tal como tudo o resto. Propositadamente violento, por vezes até perturbador, apenas para nos provocar, também nos seduz quando «no meio do preto, por entre estrelas baças, o menino vislumbrou a lua. E a lua era para ele uma bolacha com recheio de baunilha. Suspensa de forma invisível e ainda inviolada. Bolacha gigante, cremosa e doce, regularmente trincada pelos seres e coisas que habitam o céu». O Caderno do Algoz da Caminho, da autoria de Sandro William Junqueira, a cuja apresentação tive o privilégio de assistir ontem à noite, é um livro que nos traz momentos surpreendentes, num processo criativo absolutamente genial.