Todos os anos, por esta altura, sou reconduzida ao mesmo espaço de magia. Quando, caindo na tentação de repetição, regresso ao local que, ultrapassa todas as expectativas, num percurso marcado pela subtileza e exuberante intangibilidade.
Monday, January 30, 2012
Sunday, January 29, 2012
Ao domingo
Para aconchegar o final das manhãs de domingo, nada melhor do que uma versão light de brunch, à sombra das buganvílias. À mesa, não falta o sumo de laranja natural, os ovos escalfados ou mexidos com cebolinho, o cesto com vários tipos de pão, e o mel da minha cunhada Patrícia, para degustar sem pressas.
Saturday, January 28, 2012
A incerteza dos dias
Num momento em que a austeridade tem um efeito devastador, e o presente compromete o futuro, falta criatividade a um país que, de dia para dia, parece diminuir. Porque a reestruturação da economia não se faz afundando-a, e sem qualquer visão de crescimento, dificilmente ultrapassaremos a crise. O que se esvaziou ao longo dos tempos, e poderia agora servir-nos para ao menos nos sustentar, esfumou-se num projecto europeu falhado sem soluções colectivas à vista.
Friday, January 27, 2012
O outro lado do tempo
As nuvens sobrevoaram os poemas. Os poemas desapareceram. Submersos no limbo. Ou ocultados por uma folha amarelecida, quase ao rés da terra, na floresta nocturna de repente incognoscível. Os poemas foram deslizando para o outro lado do tempo. Quem os escreveu deu-os por perdidos, dolorosamente ignorante da viagem secreta.
Os poemas desapareceram.
Contradizendo o abismo irremediável, os poemas emergiram na manhã seguinte. Cobertos de orvalho.
Alberto de Lacerda in O Pajem Formidável dos Indícios (Assírio Alvim)
Contradizendo o abismo irremediável, os poemas emergiram na manhã seguinte. Cobertos de orvalho.
Alberto de Lacerda in O Pajem Formidável dos Indícios (Assírio Alvim)
Thursday, January 26, 2012
Na solidão da noite
(…) E ele atravessa a rua, passando pelo tempo, de pedra em pedra, com um cigarro na mão para pedir lume ao cigarro alheio, que brilha no outro lado, ao cimo dos três degraus.
Vai ser assim: dá-me lume, por favor?, e o cigarro encostar-se-á ao seu, o lume passará de um para outro, de uma pessoa para outra pessoa, e então, no meio da eternidade deserta, será sim o dia de hoje.
Mas a noite é imensa, quer dizer: a noite do lugar e do tempo, a noite da nossa solidão — é imensa, e apenas um pequeno órgão vivo palpita algures, vibra rapidamente, e amortece-se, e desaparece.
Então, uma vez mais a noite se levanta de nós, e o que estremece é a carne, a nossa, cega e desamparada — mas fremente na sua cegueira e desamparo.
Sabes que estás só? — pergunta a carne à carne —, sabes que a noite se ergueu de ti, como se fosses o seu próprio e único talento, e que esse talento te cerca como uma atmosfera, o morto clima que transportas em ti, de um lado para outro, ao longo das pedras, ao longo de todos os lugares do homem?
Ela sabe, ou pelo menos sabe que sabe.
E é demasiado.
Por isso, olha e espera.
E vê de novo a brasa que estremece na escuridão como uma planta que crescesse e florescesse na terra negra, ou um animal cujo calor abrisse uma brecha no tempo frio.
A carne embriaga-se com imprecisas metáforas de salvação — que salvação?! — com um movimento subterrâneo de analogias, e ele diz: vou pedir-lhe lume.
Herberto Helder in Apresentação do Rosto - editora ulisseia 1968
Monday, January 23, 2012
Despertar
(...)Sonho que sou Alguém cá neste mundo ...
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a Terra anda curvada!
E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho ... E não sou nada!
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a Terra anda curvada!
E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho ... E não sou nada!
Florbela Espanca in Vaidade
Saturday, January 21, 2012
Estado puro
A terra em Monchique é pedregosa, os arbustos enormes, e toda a demais vegetação é densa e exuberante. Particularmente notória é a transparência da água, e o misterioso contorno das rochas que, lhe imprimem uma infinita grandeza. A chegada a Fóia permite-me um outro fôlego, que elimina quaisquer palavras. Suspensa do topo, acima de qualquer compreensão, reflicto sobre o que realmente me é indispensável, ou terá utilidade futura, no final dum tempo, que ascende à redescoberta de outros horizontes.
Wednesday, January 18, 2012
Apelo
Sunday, January 15, 2012
A debandada
Neste espaço sem espaço
a incógnita dos dias
de tons frios e sombrios
e luta contra o infortúnio
há quem transponha fronteiras
atravessando o tempo
lado a lado
sem deixar rasto
Thursday, January 12, 2012
Tuesday, January 10, 2012
Monday, January 9, 2012
Sunday, January 8, 2012
O minúsculo sol
Longe de mim querer corromper a juventude,
É um trabalho que sobreleva as
Minhas capacidades.
Antes cicuta.
Mas tenho que explicar o sentido
Da palavra “desesperança”.
É uma esperança negativa.
A gente senta-se num cais
E deixa o sol trabalhar.
O sol minúsculo, isto é, o calor na pele.
Chamo a isto a experiência mínima.
Feito isto:
Venha de lá então
Essa catástrofe.
Manuel Resende, O mundo clamoroso, ainda (2004)
É um trabalho que sobreleva as
Minhas capacidades.
Antes cicuta.
Mas tenho que explicar o sentido
Da palavra “desesperança”.
É uma esperança negativa.
A gente senta-se num cais
E deixa o sol trabalhar.
O sol minúsculo, isto é, o calor na pele.
Chamo a isto a experiência mínima.
Feito isto:
Venha de lá então
Essa catástrofe.
Manuel Resende, O mundo clamoroso, ainda (2004)
Saturday, January 7, 2012
Pontos de reflexão
Uma a uma retiro cada uma das decorações natalícias. Começo com as da árvore, seguidas das figuras do presépio, que cuidadosamente armazeno em caixas.
Desmanchar, desfazer, desconjuntar, e voltar a arrumar preenche-me toda a manhã, para daqui a um ano voltar a montar, colocar, e dispor, cativa da disciplina do tempo.
Desmanchar, desfazer, desconjuntar, e voltar a arrumar preenche-me toda a manhã, para daqui a um ano voltar a montar, colocar, e dispor, cativa da disciplina do tempo.
Friday, January 6, 2012
O dia de todos os reis
Marcaram-nos o ritmo da História, através de lutas internas e unificação de territórios, esbatendo as mais longínquas fronteiras. Imagino-os de elmos e armaduras e espadas em riste, ou em manjares com música, danças, e cantigas de amigo. Heróis indestrutíveis do nosso imaginário, são tanto do que somos, que deles não podemos deixar de ser, confundindo-se tempos e lugares que nos prolongam uns nos outros.
Sunday, January 1, 2012
Logo se vê
Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de Janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo,
eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de Janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo,
eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
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