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Amanhã romperei o ciclo, através de um ponto de passagem absolutamente obrigatório. Às vezes é necessário olhar para outro tipo de realidade, e assim, por umas semanas vou deixar de ouvir falar na ASAE, na CMVM, no BCP, ou do País que se joga em Lisboa, quando o que estará em causa será somente o Poder. Mas o verdadeiro, porque aqui tudo não passa de uma brincadeira. Afinal o mundo é um palco, e tudo se resume a uma encenação. E eu irei espreitar bastidores, jogos de estratégia, e tácticas eleitorais, para sustentar uma opinião através de novas descobertas, de outras sensibilidades, e interpretações muito mais longínquas. Mas, separados por milhares de quilómetros, como que por magia, estarei arredada, embora aqui!? Hasta la vista!
Sempre que posso refugio-me lá. Apenas sigo os caminhos que ali me levam, repletos de curvas e contracurvas ladeadas de árvores frondosas, cujos tons da folhagem castanha e laranja, tão bem se identificam com a paisagem de Outono. Alcanço o miradouro junto à água da nascente, límpida e cristalina, e em pleno coração de Monchique deixo-me deslumbrar pela magnitude da vista. Continuo a escalada até Fóia, onde a paisagem ampliada me faz sentir a olhar o mundo, e me corta a respiração. Ao descer a encosta observo o parque eólico, e uma vez mais aproveito a pausa para me deliciar com a gastronomia regional na «Rampa». A beleza envolvente, e o vinho alentejano retêm-me um pouco mais. O brilho do sol imprime-lhe reflexos violeta, e a sua textura marcante parece bem combinar com aquele perfeito final de tarde. Digo adeus à infatigável Paula, e prometo voltar muito em breve, um destes dias.
Tal como uma princesa saída dum conto de fadas, surge-nos passo a passo, fulgurante e esbelta. Pelo braço do pai avança ao encontro do noivo, que transborda de alegria difícil de conter. Ao som de notas melódicas parte-se da igreja para o copo d’ água, que se prolonga até ao final do dia, enquadrado num cenário natural, com Sintra a perder-se de vista. É o início de uma nova caminhada a dois, e o compromisso com o amanhã, quando a vida passa a ser dividida. Felizes para sempre? Porque não?! Basta a vontade de cada um, saber sempre colocar-se no lugar do outro. À minha sobrinha Carolina, e ao André, brindo a um futuro risonho e duradouro.
Duas ou três vezes na semana desvio-me do labirinto do meu pensamento, assento os pés na terra, e estou lá, na linha da frente reivindicando o meu bem-estar. Uma vez equipada e preparada para actuar, começo por dar umas braçadas, que não só me ajudam a livrar do excesso de gordura na região abdominal, como me revitalizam a nível de empenho, alcançando metas com reflexos práticos. Dali, mergulho, e deixo-me massajar suave e relaxadamente pela água morna que borbulha – recurso medicinal utilizado desde a antiguidade. Ainda longe da agitação enclausuro-me numa atmosfera saturada de vapor de água, em plena semiescuridão, que me desobstrui os poros, pulmões, e vias respiratórias. Já antes de Cristo mercadores turcos recorriam às termas depois de atravessarem o deserto, fazendo nascer assim o banho turco que se espalhou pelas civilizações até aos nossos dias. Após este encontro com a própria, num mundo à parte, amigo do ambiente, moderno e minimalista sinto-me como que suspensa no tempo, revigorada para ir mais longe.
Separa-nos a imensidão do Atlântico, e nada mais. A tudo o resto estamos ligadas. Quando me levanto, ela ainda dorme, e quando adormeço, ela gira em roda-viva. Ainda que desencontradas há sempre algo que nos une, e que nos afasta também. Fecho os olhos e a sua imagem esbatida ganha contornos, quando a vida adquire novo sentido. É como se o mundo estivesse perto e longe, em simultâneo, e em permanente mutação. Visiono-a parada no tempo, correndo contra o mesmo, quebrando barreiras. Tacteio, e quase lhe alcanço os cabelos de oiro. Respiro fundo, e sinto-lhe a fragrância, como se fosse uma flor. Mas, varrida pelo vento, acabo por a perder entre os dedos. Resta-me o vazio da ausência, num universo findo de se esboroar. De um só fôlego, desperto do meu sono, perdendo toda a profundeza. Enfrentada a veracidade, torno-me incapaz de ultrapassar distâncias, sem que por um segundo o amor se esgote.
No outro dia, na praia, uma criança loira chamava pela mãe, e por escassos segundos, penso que é por mim que implora. Não, não pode ser. Os seus olhos não são claros, nem da cor do céu como os dela, e entretanto ela cresceu.
Espero sempre por ti o dia inteiro,
Quando na praia sobe, de cinza e oiro,
O nevoeiro
E há em todas as coisas o agoiro
De uma fantástica vinda.
Sophia de Mello Breyner Andresen
A viagem é iniciada cedo, quando a neblina ainda paira no ar. À medida que vamos avançando, o sol desperta, e o arvoredo prende-me o olhar, que se cruza com uma nova descoberta. Logo a seguir à passagem pela Ribeira, sou invadida por uma sensação de liberdade, ao contemplar a paisagem vasta, e o infinito do horizonte. Não há vento, e apenas uma leve brisa toma conta de mim, trazendo-me sossego, e tranquilidade. Tento esquecer as horas, e consumi-las vagarosamente, para não fugir à realidade que me envolve. Inclinadas sobre o rio, as vinhas das encostas não são mais do que um rasgo de emoção. Ao encontro das expectativas, o vinho da região demarcada anda por todas as bocas do mundo fora. Passamos por baixo de pontes, por pequenos aglomerados aqui e ali, pela barragem de Crestuma-Lever, por outros barcos, e outras gentes, que das margens nos acenam em sinal de paz. Só o pássaro que sobrevoa quebra o silêncio que nos fala mais alto. Um dia no Douro não me chega, e a memória e a nostalgia pedem-me para quanto antes lá voltar.