Monday, June 29, 2009

Instantes

Visita-me, à noite, fica por perto sempre que vires que algum perigo nos espreita, protege os teus filhos quando eu estiver ocupada a fazer outras coisas, derrama a voz sobre nós para que, em sonhos, te oiçamos cantar. Pinta as noites de azul e sugere que os anjos ocupem a orla das portas, espia a cor dos limões e a relva a crescer e rasa-me a pele quando me vires deitada sobre ela, a apanhar sol no jardim.
Mas não te prives de nada por nós. Hoje, sobretudo, não te prives de nada por nós. Dobra a curva da estrada e festeja o teu dia. Há quanto tempo nasceste para o céu? Dez anos? Dez dias? Ou terá sido há dez minutos apenas?...

Inês de Barros Baptista
(jornalista e escritora)

Saturday, June 27, 2009

Noite literária

Em a «Instrução dos Amantes» de 1992 como que nos aproxima da adolescência, mais tarde em 2002, através do «Fazes-me falta» leva-nos à reflexão da morte, da dor, e da perda de quem está perto, conduzindo-nos à «Eternidade e Desejo» em 2008. Aqui revisitamos o percurso da vida do Padre António Vieira por terras de Vera Cruz, quando somos fortemente impelidos ao amor e à paixão. Esta é também a trajectória de Inês Pedrosa - jornalista e escritora, que num agradável serão literário na Biblioteca Municipal de Albufeira nos falou de tudo um pouco, encerrando um ciclo de leitura que reconhecidamente lhe foi dedicado.

Friday, June 26, 2009

Rotação máxima

Foi sem dúvida a imagem dos anos 80, e marca iconográfica de várias gerações. Ditou um estilo muito próprio, criando um look pop, onde a dança sempre lhe surgiu associada. O incontornável «Thriller» obtido com todos e mais alguns meios de produção agitaram completamente o meio áudio visual de então, numa época considerada de ouro. Porém, polémicas e extravagâncias fizeram-no perder o brilho depois de ter conquistado o mundo inteiro. Apesar da sua extrema força criativa, e componente rítmica serão as estrelas imortais?

Thursday, June 25, 2009

Temática do amor

A Biblioteca Municipal acolheu em mais um serão Afonso Dias, que em redor de Luís Vaz de Camões fez a festa com alguma música, e sobretudo muita poesia e imaginação. E porque a importância de toda a obra é trazer algo de novo para quem a escuta, através da sua lírica transformada em verdadeiro tratado de amor, se provou que o conceito de ausência, por mais estranho que pareça, já naquele tempo pesava tanto como agora.

Verdes são os campos,
De cor de limão:
Assim são os olhos
Do meu coração.

Camões

Monday, June 22, 2009

Zona tórrida

Do alto da serra, rio acima, ou à beira mar, o Verão com as suas noites longas, definitivamente nos traz um outro atractivo. Em momentos de verdadeira rêverie, que se repetem de forma excessiva e incontrolável, sinto-me projectar para cenários mágicos, de cores quentes e arrojadas, encimados por um céu sobrevoado de gaivotas. Sem pestanejar, aproprio-me de todas e quaisquer paisagens, onde os meus olhos sonham em espaços sem fim. Às vezes, parecem até prolongar-se no tempo, com um especial sabor a eternidade, intensificados por uma paz absoluta, em plena oposição ao frio.

A paixão nua e cega dos estios
Atravessou a minha vida como rios

Sophia de Mello Breyner Andresen

Friday, June 19, 2009

A duas vozes

A facilidade com que os papéis se trocam, quando as circunstâncias externas mudam, é não só expectável, como faz parte da encenação do dia a dia de todos nós. Não fora os sinais inquietantes, e o tempo curto, a lógica discursiva manter-se-ia a mesma. Assim, sem mais demoras, a duplicidade parece melhor ajustar-se à realidade, embora estruturalmente não haja qualquer mudança. Um e outro imiscuindo-se reflectem as mesmas posições, compartilhando uma admiração mútua, que, ao alterar o tom, apenas pode trazer um pouco mais de consistência a uma nova postura. Entre o passado e o presente é claramente visível não existir qualquer diferença de natureza, porque ambos são faces da mesma moeda. O que é radicalmente diferente, ou pode parecer convincente, apenas serve para retirar argumentos de confronto, numa tentativa de reconquista, através de um derradeiro sopro.

Saturday, June 13, 2009

One more


A Quinta do Casalinho foi uma vez mais palco de animada festa, onde não faltaram momentos de verdadeira descontracção e alegria. Neste caso para celebrar o meu próprio aniversário. Gostaria de agradecer aos presentes, e aos ausentes que impossibilitados de se nos juntar, connosco estiveram em sintonia de energia. Resta-me agradecer do fundo do coração à Lurdes e ao Mário a simpatia com que nos receberam, e abriram as portas da sua acolhedora casa.

Friday, June 12, 2009

Geminianas de gema

Prontas para os festejos, entre o aniversário duma a 11, e a 13 da outra, ao som das marchas populares há bailarico e muita sardinha na brasa, noivas de Sto. António e cheirinho a manjerico, guitarras afinadas e fado, e da Bica a Alfama as festas seguem animadas em Lisboa.


Este Junho, mês tão quente
É sinónimo de folia,
É do povo, é da gente,
Trinta dias de alegria.

Santo António é o primeiro
A trazer a gente à rua,
Santinho casamenteiro,
Juntou o Sol e a Lua.

(quadras populares)

Wednesday, June 10, 2009

Figura maior

Tentar decifrá-lo através das várias vidas que criou, leva-nos a uma reflexão profunda. Praticamente indefinível, numa tentativa de o descodificar, a sua grande paixão pela literatura será talvez a única certeza. De espírito inquieto, e insatisfeito, sem sair de casa atravessa todo um inesgotável cosmos, muito para além do que possamos imaginar. Partir numa viagem à descoberta da sua identidade é um desafio constante por todo o mistério que a envolve. Fingidor, porque poeta, enigmático, pela capacidade criativa de se desdobrar, cada um dos seus companheiros existenciais são as referências que em vão procuramos, e tanto nos confundem, ao mesmo tempo que confirmam todo o seu prestígio. Além disso, reforça o papel da língua numa expressão superior, acrescentando-lhe uma outra dimensão.

A minha pátria é a língua portuguesa
Fernando Pessoa

Thursday, June 4, 2009

Tomar-lhe o gosto

A lenda conta que para se encontrar amorosamente com Marte, Vénus terá utilizado o estratagema de servir a seu marido Vulcano um sublime caldo encorpado, (que muito mais tarde terá dado origem à bouillabaisse), com o intuito de o adormecer. Da Grécia antiga para a região mediterrânica, mais propriamente para a cidade portuária de Marseille foi um pulinho. Inicialmente preparada pelos pescadores, na praia, sobre fogueiras de lenha, trata-se de uma combinação de diferentes peixes brancos, ervas aromáticas, e especiarias, como pimenta do reino, noz moscada, açafrão e casca de laranja seca, enriquecida de lagostins, camarões, anéis de lulas, pequenos caranguejos, e lagosta, quando a bolsa assim o permite. Este típico prato da culinária francesa designado por alguns por sopa de ouro traduz-se por bouillir (ferver) e abaisser (reduzir), e é servido em tigelas fundas, sobre fatias torradas de pão duro da véspera, temperadas com um fio de azeite virgem. Claro que haverá mil e uma formas de combinar todos estes elementos, e certamente de os saborear, mas o que torna uma das mais famosas sopas do mundo tão especial, é exactamente a história que a envolve por trás da receita, além da autenticidade dos seus ingredientes, que lhe dão a cor e o aroma inconfundíveis.

Tuesday, June 2, 2009

Monday, June 1, 2009

Pureza do mundo

São claras as crianças como candeias sem vento,
seu coração quebra o mundo cegamente.
E eu fico a surpreendê-las, embebido no meu poema,
pelo terror dos dias, quando
em sua alma os parques são maiores e as águas turvas param
junto à eternidade.
As crianças criam. São esses os espaços
onde nascem as suas árvores.

Enquanto as campânulas se purificam no cimo do fogo,
as crianças esmigalham-se.
Seu sangue evoca
a tristeza, tristeza, a tristeza
primordial.
- Enlouquecem depressa caídas no milagre. Entram
pelos séculos
entre cardumes frios, com o corpo espetado nas luzes
e o olhar infinito de quem não possui alma.

Seu grito remonta ao verão. Inspira-as
a velocidade da terra.
As crianças enlouquecem em coisas de poesia.
Escutai um instante como ficam presas
no alto desse grito, como a eternidade as acolhe
enquanto gritam e gritam.

- É-lhes dado o pequeno tempo de um sono
de onde saem
assombradas e altas. Tudo nelas se alimenta.
Dali a vida de um poema tira
por um lado apaixonamento; por outro,
purificação.
Nelas se festeja a imensidade
dos meses, a melancolia, a silenciosa
pureza do mundo.

Quem há-de pensar para as crianças, sem ter
espinhos nas vozes desertas
até ao fundo? É vendo-se aos espelhos,
no seguimento da noite,
que as crianças aparecem com o horror
da sua candura, as crianças fundamentais, as grandes
crianças vigiadoras –
cantando, pensando, dormindo loucamente.

Não há laranjas ou brasas ou facas iluminadas
que a vingança não afaste.
As crianças invasoras percorrem
os nomes – enchem de uma fria
loucura inteligente
as raízes e as folhas da garganta.
Aprendemos com elas os corredores do ar,
a iluminação, o mistério
da carne. Partem depois, sangrentas,
inomináveis. Partem de noite
noite – extremas e únicas.
- E nada mais somos do que o Poema onde as crianças
se distanciam loucamente.
Loucamente

Herberto Helder – A Colher na Boca