Quem por lá passasse não podia
deixar de reparar naquela janela. As estruturas de ferro enferrujado pelos
anos, os elementos geométricos, e a subtileza com que a trepadeira a
atravessou, pareciam sugerir todo um esplendor mítico. De repente, sentia-me do
lado errado e, ansiava por transpor todo aquele sentimento enigmático que, me
causava tanta curiosidade. Afinal, que concluir? Podia haver quem conhecesse
bem o perigo e recomendasse prudência, mas, apesar de território duvidoso,
desejava acrescentar mais uma experiência. Porque sempre procurei até ao fim.
Monday, September 30, 2013
Sunday, September 29, 2013
Saturday, September 28, 2013
Auroras nocturnas
A noite é
uma página escrita onde há uma vírgula depois de cada
letra, um ponto depois de cada palavra, uma
exclamação no fim de cada
frase. Ao fim de cada período está o teu
corpo, aberto num parêntese
longo, que explica a súbita eclosão de auroras
nocturnas.
No fim de tudo estão os teus olhos, redondos
como duas afirmações,
loiros e despenteados.
Albano
Martins (1930)
Friday, September 27, 2013
Um balão prestes a esvaziar
Concluiria que
não existiu qualquer esclarecimento, quando alguém lhe interrompeu o pensamento,
e mencionou que, nesta campanha, em lugar de se discutir as obras públicas se teria
dado prioridade ao que as pessoas precisam, dando um maior ênfase à parte
humana. Pudesse ela quebrar este ciclo negativo dominado por quem não apresenta
nem resultados nem soluções, e recheado de promessas vãs, e tudo seria muito
diferente. E, se houve uma altura em que os políticos fugiam dos cidadãos,
agora eram os próprios cidadãos a fugir dos políticos. Não seria invulgar
verificar que, os portugueses estão, certamente, mais atentos, e já lhe dizia a
avó que, quando a dignidade do trabalhador estava em causa, uma pessoa melhor
informada deixar-se-ia enganar muito menos. Irreconciliada com o mundo e, sobretudo,
com o país, perante esta disfunção com a realidade, tinha decidido que, no
próximo domingo, votaria em branco.
Thursday, September 26, 2013
A condução de um destino
A paixão
pela tranquilidade acabaria por a encaminhar até paisagens mais campestres. É
aí que se move com notável fluidez, e em moldes bem definidos, desafiando o
estado de crise. Desligada de tudo o mais em seu redor, não só recorre a todo o
tipo de experiências, como a sua prioridade será reconstituir aquilo que um dia
lhe haveria pertencido. Só assim, mais tarde, o seu território se revelaria
ilimitado.
Wednesday, September 25, 2013
Noite de fado
Não sei por que te foste embora.
Não sei que mal te fiz, que importa,
só sei que o dia corre e àquela hora,
não sei por que não vens bater-me à porta.
Não sei se gostas de outra agora,
se eu estou ou não para ti já morta.
Não sei, não sei nem me interessa,
não me sais é da cabeça
que não vê que eu te esqueci.
Não sei, não sei o que é isto
já não gosto e não resisto
não te quero e penso em ti.
Não quero este meu querer no peito,
não quero esperar por ti nem espero.
Não quero que me queiras contrafeito,
nem quero que tu saibas que eu te quero.
Depois de este meu querer desfeito,
nem quero o teu amor sincero.
Não quero mais encontrar-te,
nem ouvir-te nem falar-te,
nem sentir o teu calor.
Porque eu não quero que vejas
que este amor que não desejas
só deseja o teu amor.
Não sei porque te foste embora: original de Amália Rodrigues
letra e música de José Galhardo e Frederico Valério
Tuesday, September 24, 2013
Entre aromas e cores
É um sonho ou talvez só uma pausa
na penumbra. Esta massa obscura
que ela revolve nas águas são estrelas.
Entre aromas e cores, um barco de calcário
prossegue uma viagem imóvel num jardim.
Vejo a brancura entre os astros e os ramos.
Dir-se-ia que o ser respira e se deslumbra
e que tudo ascende sob um sopro silencioso.
Nenhum sentido mas os signos amam-se
e o brilho e o rumor formam um mundo.
António Ramos Rosa (1924 - 2013) in Acordes, Quetzal
Monday, September 23, 2013
Sunday, September 22, 2013
Ciclo de descobertas
A partir do olhar, fito-as indistintamente,
aqui e ali. A algumas falta-lhes maturação, e, logo a seguir, quando olhamos
para o céu, chama-nos à atenção as que suspensas se elevam com evidente leveza.
A luz e as sombras realçam-lhes as cores quentes da folhagem e a luminosidade dos
bagos. Por fim, na lentidão dum gesto, deito-lhes a mão com a cumplicidade do
Rico, e de alma intensa, ambos ignoramos o pó e as impurezas, e, uma a
uma, apreciamos o doce sabor das uvas.
Saturday, September 21, 2013
Quase um destino
uma espuma de sal bateu-me alto na cabeça,
nunca mais fui o mesmo,
passei por todos os mistérios simples, e agora estou tão humano: morro,
às vezes ressuscito para fazer uma grande surpresa a mim mesmo,
eu que nunca mais me surpreendo:
sou mais rápido —
falo de mim em estilo estritamente assassino:
é quase como se fosse o centro do planeta:
prontíssimo para o verbo e o milagre,
mas ressuscito ah então falo de exercício estilístico:
escritor de poemas, como se fosse uma intimidade, quase um destino, um mistério,
com os dias primeiros até às cenas botânicas do paraíso,
e digo:
administra a tua voz,
mas administra a tua dor primeiro
(a dor e a voz administrativas?)
nunca mais fui o mesmo,
passei por todos os mistérios simples, e agora estou tão humano: morro,
às vezes ressuscito para fazer uma grande surpresa a mim mesmo,
eu que nunca mais me surpreendo:
sou mais rápido —
falo de mim em estilo estritamente assassino:
é quase como se fosse o centro do planeta:
prontíssimo para o verbo e o milagre,
mas ressuscito ah então falo de exercício estilístico:
escritor de poemas, como se fosse uma intimidade, quase um destino, um mistério,
com os dias primeiros até às cenas botânicas do paraíso,
e digo:
administra a tua voz,
mas administra a tua dor primeiro
(a dor e a voz administrativas?)
Friday, September 20, 2013
O refúgio
Esquecida de si e do tempo, o desejo de ouvir
para além da música, desencadeava indisfarçáveis desafios. Na espuma dos dias,
bem próxima do mar, apenas os búzios com tudo o que têm de impenetrável
marcavam o ritmo e a preenchiam de sonoridade. No caso dela, o facto de certas
melodias a levarem a emocionar-se mais do que outras, era suficiente para se
perceber que, tinha encontrado naquele local um ponto de equilíbrio entre a
realidade e a pura imaginação.
Thursday, September 19, 2013
Uma vida a naufragar
Depois de ter fechado tudo, abro de novo a porta
e corro cambaleante para a vazia escuridão
assusta-me a certas horas a companhia
do que não adormece
a resistência disso no nosso espaço
movido por outra forças
Mas também me ocorre acender primeiro a luz
e só depois
sentir um medo louco da casa que me acolhe
dos seus redemoinhos imperceptíveis
que julgo cada vez mais perto
como se estivesse para ser morto
às mãos do próprio Deus
Não sei bem acordar vivo destas coisas:
aproveito o ruído do entardecer e grito muito alto
deixo-te um instante só (um instante só)
para fechar os olhos que tanto ardem
ou atiro das margens folhas ao rio
para medir o tempo de uma vida
a naufragar
José Tolentino Mendonça in A Noite Abre Meus Olhos - Assírio & Alvim, 2006
Wednesday, September 18, 2013
Ao ar livre
Aproveitando os últimos dias quentes da estação, desta vez,
o lanche – refrescante e saudável, foi organizado pela Teresinha, em sua casa,
proporcionando a todos uma agradável tarde, neste final de Verão.
Tuesday, September 17, 2013
Monday, September 16, 2013
Acção e mudança
Num mundo
perfeito, ao invés dos tempos difíceis que vivemos, o desenvolvimento das crianças
seria, favoravelmente, marcado por um desafio à imaginação, com destaque para
uma nova atitude e um renovado interesse, onde neste primeiro dia do ano
lectivo a escolha recaísse por melhores conteúdos e substância.
Sunday, September 15, 2013
Reconstrução visual
Alice
abriu a porta e viu que dava para uma pequena passagem, não muito maior que um
buraco de rato: ajoelhou-se e avistou o jardim mais encantador que jamais vira.
Como ela gostaria de sair daquela sala escura e passear por entre os canteiros
de flores viçosas e aquelas fontes … mas ela nunca conseguiria fazer passar a sua
cabeça pela porta; "e mesmo que a minha cabeça passasse", pensou a
pobre Alice, "teria pouca utilidade sem os meus ombros. Oh! Como eu desejo
poder encolher». «Se ao menos soubesse como."
Afinal,
tantas coisas estranhas tinham acontecido ultimamente que Alice começara a
pensar que muito poucas seriam, na verdade, realmente impossíveis.
Lewis Carroll in Alice no País das Maravilhas
Saturday, September 14, 2013
Sobrevivência
O infortúnio da
queda que, a remeteu à imobilidade temporária, trouxe-lhe à tona os seus
desejos mais íntimos. Afinal, que espécie de vida poderia ter uma pessoa que, ultimamente, se sentia tão injustamente castigada? Interrogava-se ela, ao mesmo tempo que se projectava naquela
figura esguia que, elevando, suavemente, os braços, criava a ilusão de
movimento, quando cada gesto se tornava real, e a vida e o sonho se confundiam.
Por outro lado, sentia que apenas a irracionalidade a poderia levar a qualquer
tempo e lugar, poupando-a a um inevitável enlouquecimento.
short story dedicada à minha amiga Manuela F.
Friday, September 13, 2013
Vou com as andorinhas
Nada a fazer, amor, eu sou do bando
Impermanente das aves friorentas;
E nos galhos dos anos desbotando
Já as folhas me ofuscam macilentas;
E vou com as andorinhas. Até quando?
À vida breve não perguntes: cruentas
Rugas me humilham. Não mais em estilo brando
Ave estroina serei em mãos sedentas.
Pensa-me eterna que o eterno gera
Quem na amada o conjura. Além, mais alto,
Em ileso beiral, aí espera:
Andorinha indemne ao sobressalto
Do tempo, núncia de perene primavera.
Confia. Eu sou romântica. Não falto.
Natália Correia (1923 - 1993) in Sonetos Românticos
Thursday, September 12, 2013
A visita
O facto de a Carina estar de
regresso, após um ano de ausência no estrangeiro, serviu de pretexto para
reunir um grupo de amigas e celebrar a intensidade do final do Verão, e o
sentido de esperança e promessa, nos dias que aí vêm.
Wednesday, September 11, 2013
Tuesday, September 10, 2013
O reencontro
Totalmente
desinspirada, o enorme distanciamento em relação à cidade, obriga-a a partir,
apesar de muita hesitação. Importa saber que, os percursos incertos nunca
auguraram nada de bom. Contudo, anos volvidos, ela encarou a vida com a
determinação que sempre a caracterizou, dando o salto quântico que a devolve à
ruralidade da infância e lhe permite, uma vez mais, ser feliz.
Monday, September 9, 2013
Recursos selvagens
Despontam,
espontâneos, em terrenos incultos e pedregosos, muitas vezes, junto a oliveiras,
ou pelas fendas de velhos muros. Estes pequenos arbustos, de espinhos fortes,
apresentam pequenas bagas encarnadas, e floração intensa no Verão. A dureza da terra contrasta com a delicadeza
da sua aparência branca e luminosa, e a suavidade do seu aroma. Lá para finais
de Novembro colheremos os novos rebentos – os espargos bravos! Depois de se
remover as extremidades mais rijas, os restantes pedaços, por serem tenros, são
muito apreciados em ovos mexidos, migas, grelhados e enrolados em presunto, ou
simplesmente, salteados em azeite e alho. Nestas caminhadas ao ar livre com o
Rico é com paixão que, acompanhamos o ritmo das estações, em perfeita comunhão
com a natureza.
Sunday, September 8, 2013
Oculto abrigo
Pela dança voltamos ao ventre materno. Foi lá, nesse
oculto abrigo, que libertamos o primeiro tambor e executamos os primeiros
movimentos de embalo. Foi lá que fomos peixes, fomos água, adormecida onda,
incessante maré.
Mia Couto
Saturday, September 7, 2013
Urgência
Porque
não vens agora, que
te quero
E adias esta
urgência?
Prometes-me o futuro
e eu desespero
O futuro é o disfarce
da impotência.
Hoje, aqui, já, neste
momento,
Ou nunca mais.
A sombra do alento é
o desalento
O desejo o limite dos
mortais.
Miguel Torga
Friday, September 6, 2013
Tempo de passagem
Movimenta-se de uma forma frágil e ligeira, e
de certa maneira como se, passo a passo, lhe acompanhasse o destino. Primeiro,
momentaneamente, liberta, em acelerada queda livre, não se parecendo a nada
antes visto. A partir daqui o que está por trás desta visão é toda uma
percepção intuitiva onde tudo se lhe afigura exacto e, inegavelmente, com um
forte sentido de esperança.
Thursday, September 5, 2013
Descontextualizada
Presa ao instante, de repente, suspende
os passos em desesperada manobra. A escadaria surge-lhe como um enigma. O mais
provável seria não ir além daquele lugar específico. Um espaço denso e sinuoso que,
lhe parecia demasiado arriscado quando a respiração lhe começava a escapar.
Mais tarde ou mais cedo, ao olhar de quem via, a cidade inteira reduzir-se-ia à
sombra de um traço.
Wednesday, September 4, 2013
Tuesday, September 3, 2013
A vida comum
O dia ganhava tons mais sombrios,
quando se aproximou da janela. Do edifício em frente, roupa estendida secava ao
longo das várias varandas. Escondem infinitas histórias, pensava ela, e, certamente,
nem sequer a meio vão. Do lado de fora do prédio, junto à porta da entrada, alguém
a olhava como se a espiasse também, e lhe devolvesse esse mesmo sentimento de coscuvilhice mútua tão próprio da vizinhança.
Monday, September 2, 2013
A contrastar
De um momento para
o outro pareceu-lhe uma tentação irresistível. E, quando se sentia deprimida, apenas
escolhas fora do âmbito da crise, como a ida a um bom restaurante ou às
compras, de preferência no mesmo espaço contínuo, a pareciam reconfortar. Já
sem pensar, ou olhar para trás, entrou na sapataria – razão de peso para salvar
alguma coisa no meio de uma realidade de absoluto cataclismo social.
Sunday, September 1, 2013
Forma popular de arte
O branco
dá tom ao mote. Particularmente concorrida, em busca de um som ou de algum
encantamento, a cidade de Loulé deixa-se inundar de música e teatralidade, e
acolhe um público diverso de todas as idades e estratos sociais. Sustentada pelo
investimento municipal, é nesta envolvência que decorre a «noite branca».
Periclitante, cruza-se com os meus olhares dispersos toda uma estrutura cénica
seguida de algum aperto. Elas, vaporosas e atraentes de tão cintilantes, deixam-se,
facilmente, fotografar, e entram e saem de cena, combinando com um
entretenimento de rua numa verdadeira mostra de êxito e sedução como se algo de
mágico pairasse no ar. Nada menos que isso. Por esta ocasião, reconheço que, há
noites muito melhores que certos dias.
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