Sunday, May 31, 2015

Saturday, May 30, 2015

Agora

Nada era já como dantes. Não se lembrava da água do mar, em Maio, estar a 21ºC. Entretanto, as algas teriam atravessado a praia, o que apenas costumava suceder numa pequena área junto às rochas. Mas, a maior transformação seria a da sua pequenina, agora, a mais bela e graciosa de todas as sereias!

Thursday, May 28, 2015

Tudo e nada

toquei no nada
e para ti foi tudo

Mia Couto

Wednesday, May 27, 2015

Equívocos

O crescente interesse anulava-lhe incertezas e sustentava-lhe as convicções. Revelado o segredo, parecera-lhe que nunca estivera tão perto. Depois, por uma qualquer razão, tornou-se impossível distinguir o que quer que fosse, e o sonho passou a não ser realizável.


Tuesday, May 26, 2015

Como se uma nuvem viesse

E maio empregara-se nos jardins com uma velocidade ao pé do esplendor, e tu escrevias errado que não chegara a ser branco, e uma máquina esquecia-se e aparecia o paraíso azul numa parte e amarelo, e as estátuas diziam sempre a minha lembrança da luz, e voltavam-se para a esquerda e para a direita à procura dos perfis, e a tua blusa fremia como se uma nuvem viesse por baixo, e era tudo um instante em redor do exercício cândido, e as mãos ocupavam-se em ter dedos - era maio: afluente do desejo, bom-dia eu estou nu, bom-dia eu estou nua, e o sol tirava o retrato de corpo inteiro, e de repente havia um grito narrativo, e a noite ia de um lado para o outro na voz espantosa de crianças completamente obscuras, e o perfume aterrador do sangue trabalhava na sua voz estrangeira, e as colinas afastavam-se para dar passagem à nossa ausência tremendo de febre - depressa - dizia uma magnólia cega, e o radar indicava os passos queimados em volta do êxtase, e a imprensa redigia a morte entre parênteses distraídos, e virando de leve a cabeça um para o outro não havia auréolas, e partíamos para a virgindade com a vocação de um crime, e já íamos dormindo e sonhando com os pulmões a ferver.


Herberto Helder in Vocação Animal - Lisboa: Publicações D. Quixote, Maio de 1971

Sunday, May 24, 2015

Saturday, May 23, 2015

Acção específica


Friday, May 22, 2015

Nós


Só há um modo de escapar de um lugar: é sairmos de nós.
Só há um modo de sairmos de nós: é amarmos alguém.


Mia Couto in A Confissão da leoa

Thursday, May 21, 2015

Voz

Somente as coisas tocadas
 pelo amor das outras
 têm voz.

Fiama Hasse Pais Brandão in 'As Fábulas' - Quasi Edições, 2002

Wednesday, May 20, 2015

Lá dentro

Creio que foi o sorriso,
 sorriso foi quem abriu a porta.
 Era um sorriso com muita luz
 lá dentro, apetecia
 entrar nele, tirar a roupa, ficar
 nu dentro daquele sorriso.
 Correr, navegar, morrer naquele sorriso.

 Eugénio de Andrade

Tuesday, May 19, 2015

Saturday, May 16, 2015

Friday, May 15, 2015

Em direcção a tudo

Se me pedisses de repente e aqui:
«fala das luas e dos dias», eu
nem falaria, diria só que estar contigo
é estar-me:
ofício de tanto tempo,
e natural,
ajustado como pequeno girassol,
ao sul: uma paisagem

Nem saberia por onde começar:
se no olhar, se na palavra,
ou se no teu sorriso
que me devastou o equilíbrio do igual

Não sei, meu amor,
como entender este pequeno girassol,
explicar-lhe o movimento certo,
a rotação completa e tão
perfeita,
as folhas muito verdes
de uma tal filigrana delicada
Sobretudo, este seu hino
em direcção a tudo

e já nem sei falá-lo,
porque lhe basta o tempo, e esse
- sem palavras



Ana Luisa Amaral in Se fosse um intervalo

Thursday, May 14, 2015

O que está em volta

Mesmo sem ele, a necessidade de percorrer os mesmos caminhos tem-me levado pelos campos fora. Sob o sol pleno, caminho com energia inusitada como se suprimisse o tempo, e toco ao de leve as flores da madressilva, que continuo a não saber definir. São perfumadas, e a sua fragrância torna-se ainda mais intensa ao cair da noite, quando me volto a precipitar no vazio.

Wednesday, May 13, 2015

Ser ímpar

até cada objecto se encher de luz e ser apanhado
por todos os lados hábeis, e ser ímpar,
ser escolhido,
e lampejando do ar à volta,
na ordem do mundo aquela fracção real dos dedos juntos
como para escrever cada palavra:
pegar ao alto numa coisa em estado de milagre: seja:
um copo de água,
tudo pronto para que a luz estremeça:
o terror da beleza, isso, o terror da beleza delicadíssima
tão súbito e implacável na vida administrativa


Herberto Helder, in «Servidões», Assírio & Alvim, 2013.

Tuesday, May 12, 2015

E voou


Eu amo tudo o que foi
Tudo o que já não é
A dor que já me não dói
A antiga e errônea fé
O ontem que a dor deixou,
O que deixou alegria
Só porque foi, e voou
E hoje é já outro dia.

Fernando Pessoa in Poesias Inéditas (1930-1935)

Monday, May 11, 2015

História pessoal

Falar-vos do quotidiano é evocar o Rico e de como me animava os dias. Mas a vida é mesmo assim. Em retrospectiva, prefiro pensar nele como uma bênção, e o efeito da lembrança proporciona-me momentos de introspecção carregados de emoções e de um desejo infinito de o continuar a recordar.

Sunday, May 10, 2015

Friday, May 8, 2015

Mal me quer


Thursday, May 7, 2015

Passeio na praia

Aquele era, sem dúvida, o lugar que a atraía. Diante do mar, com tudo em movimento, à espera dum outro dia para de novo recomeçar uma nova itinerância e, sempre com vontade de voltar.

Wednesday, May 6, 2015

O tempo

"É preciso tirar da dor a melhor das lições, a de que a vida não tem garantias. De que o vivo nunca se está seguro. De que o bem mais precioso que há não é o ouro ou a prata: é o Tempo. Ele é quem nos entrega, segundo a segundo, o intervalo necessário para que vençamos as nossas ignorâncias, superemos as nossas deficiências íntimas, vençamos as vaidades e sejamos maiores do que somos." 

Nara Rúbia Ribeiro

Tuesday, May 5, 2015

Monday, May 4, 2015

Pequenas coisas

Falar do trigo e não dizer
o joio. Percorrer
em voo raso os campos
sem pousar
os pés no chão. Abrir
um fruto e sentir
no ar o cheiro
a alfazema. Pequenas coisas,
dirás, que nada
significam perante
esta outra, maior: dizer
o indizível. Ou esta:
entrar sem bússola
na floresta e não perder
o rumo. Ou essa outra, maior
que todas e cujo
nome por precaução
omites. Que é preciso,
às vezes,
não acordar o silêncio.


Albano Martins in Escrito a Vermelho, Campos das Letras, 1999

Sunday, May 3, 2015

Feliz dia das mães!


Friday, May 1, 2015

Pelo tempo

Fui morto pelo tempo
no dia em que te esperei.


mia couto