Wednesday, September 30, 2015

Ondas ordenadas

Mal de te amar neste lugar de imperfeição
 Onde tudo nos quebra e emudece
 Onde tudo nos mente e nos separa.

Que nenhuma estrela queime o teu perfil
 Que nenhum deus se lembre do teu nome
 Que nem o vento passe onde tu passas.


Para ti eu criarei um dia puro
 Livre como o vento e repetido
 Como o florir das ondas ordenadas.

Sophia de Mello Breyner Andresen


Tuesday, September 29, 2015

Monday, September 28, 2015

Desde

Desde que te amo, o mundo inteiro te pertence. Por isso, nunca cheguei a dar-te nada. Apenas devolvi.


Mia Couto in A Confissão da leoa

Sunday, September 27, 2015

Domingo na praia


Saturday, September 26, 2015

Wednesday, September 23, 2015

A escadaria

Então eu beijo, degrau a degrau, a escadaria daquele corpo.

Herberto Helder

Monday, September 21, 2015

O soltar de um grito


Sunday, September 20, 2015

Saturday, September 19, 2015

A fome

O dia aproximava-se vagarosamente do final ainda que num movimento fluído. Debruçada sobre a mesa, à sua frente, entre cadeiras encontravam-se os figos. Alguns cortados ao meio e outros em quartos. Mas todos eles escuros. E também carnudos. Alguns com mel. Ouvia-se o murmúrio melódico da brisa e num curto prazo o prato ficou vazio pairando no ar as reflexões que a tarde, uma a uma, ia aglutinando. 

Friday, September 18, 2015

O desânimo

Alice sentia-se tão desesperada que estava pronta para pedir ajuda a qualquer um, até que quando avistou o Coelho, em voz baixa, tentou suplicar-lhe um «por favor…». Mas, com a pressa com que o Coelho ia, deixou cair as luvas brancas e o leque que levava, desaparecendo na escuridão. Alice apanhou-os e, como a sala estava muito quente, começou a abanar-se cansada de estar sozinha.

Lewis Carroll in Alice no País das Maravilhas

Thursday, September 17, 2015

Obscuridade

Em bicos de pés procurou em redor. Mas, bem vistas as coisas, a expectativa do que não iria encontrar seria a resposta mais provável, já que não era lá que a verdade residia.

Wednesday, September 16, 2015

Os ramos dos meus braços

Atravessa os campos da noite
e vem.

A minha pele
ainda cálida de sol
te será margem.

Nas fontes, vivas,
do meu corpo
saciarás a tua sede.

Os ramos dos meus braços
serão sombra rumorejante
ao teu sono, exausto.

Atravessa os campos da noite
e vem.

Luísa Dacosta in «Cem  Poemas Portugueses no Feminino»

Tuesday, September 15, 2015

Lugares-comuns

À mesma hora estava de volta e, num gesto de rotina enche a banheira e submerge. Altamente estimulante, acima de tudo era essencial que o fizesse mantendo-a desperta para si própria.

Monday, September 14, 2015

Linha única

Se chovesse (sempre) trezentos e sessenta e cinco dias por ano,
e as nuvens no céu se repetissem na cor,
na forma, na velocidade, e na lentidão;
e se o sol permanecesse robusto e alto, constante
como o último andar de um edifício (bem construído),
de calor assim assim mas repetindo assim assim
de calor da véspera;
se o mau e o bom tempo fossem uma linha única,
paralela aos dias; se o verão e o inverno
em vez de dois fossem um,
como uma pedra é um, e uma árvore é um,
se, enfim, quem amas permanecesse amado por ti,
hoje exactamente como ontem,
e daqui a trinta anos exactamente como hoje;
então não existiria o tempo,
e os relógios de pulso seriam pulseiras ruidosas,
mecânicas de mais para estarem tão próximas da mão
capaz de tocar com leveza.
E se não há tempo
não podemos trair.



Gonçalo M. Tavares

Sunday, September 13, 2015

Sabores e sensações

Este domingo levou-nos a Almancil para um hambúrguer especial e de contornos bem definidos sobre grelos salteados acompanhado de batata gratinada e mostarda caseira absolutamente divinal. Cozinhar exige dedicação e, quando os alimentos são rigorosamente seleccionados e harmoniosamente combinados em textura e cor, o resultado é pura arte culinária que se tornou num prazer partilhar com a minha filha.

Saturday, September 12, 2015

Mãos errantes


Friday, September 11, 2015

A simulação

Na ausência de um compromisso tornava-se difícil até que ponto aquela forma de representação a marcava. Mesmo assim, não se cansava de lhe colocar a mão à volta do pescoço e num jogo perverso murmurar-lhe vagas e inaudíveis palavras. Como poderia alguém render-se ao que parecia imperceptível e nem sequer fora ouvido?

Thursday, September 10, 2015

Em qualquer parte

Mais uma vez a perdi. Em cada minuto
a perco. Longe revolteiam suas palavras
e seus dedos depositam-se
em qualquer parte.

Se a busco? Esfaimadamente a busco.
Tacteando com a memória a forma com que era
nas noites de amor.
Reconstruindo sua espécie de enorme sorriso.
Busco-a sim, inventando subtilmente
o impudor de cada entrega,
a dádiva sobrenatural da sua carne aberta.
Mais uma vez foi destruída pela vida feroz,
e minha boca não suporta sem palavras
essa coisa mortal.
Sangrentas são as palavras e deixam vestígios
através do tempo.

Longe, naquilo que o acaso teceu,
elaboram-se os gestos. No casulo remoto
forma-se a distância
entre a sua fonte e a minha fonte.
- Com que ser se entende agora seu ser oculto?
E as voltas obscuras e difíceis
dos instintos.

Ela semeia-se. E alguma coisa misteriosamente
a fecunda.
- Ela é colhida por um vento e eu estou bêbedo
de coisas inextricáveis.
Sei que ela acontece. Um círculo de seda
forma-se prementemente,
e ela acontece.

A minha fonte não me dá ironia,
nem um fogo,
uma estrela violenta.
- Fico a saber que ela longe cresce
como outra folha de erva.

Nada em mim suporta. A memória
desimpede-lhe os pés, e beija-os.
Minhas pálpebras exaltam-na.
E a fonte, essa, recusa-a arduamente.

Recebo humildemente esta desordem
da carne, das palavras,
dos dedos bruscos do tempo.
- Recebo tudo, e canto como quem deixa um sinal
maravilhoso.



Herberto Helder in ciclo, poema IV - poesia toda

Wednesday, September 9, 2015

O apelo

O apelo do mar não tem saída,
como na terra o atalho,
o beco mesmo quando, a sobreolho,
a porta se fecha
e uma janela se entreabre
convidativa.

O apelo do mar é como as estrelas
que cintilam a todo o horizonte;
às vezes ecoa num búzio
ou num baixio
denunciado pela crista das ondas
em redemoinho.

O apelo do mar, mesmo rarefeito,
arripia-se nos teus cabelos.
Convida-te a não mais voltar.
Abre-te todos os caminhos
do vasto oceano eleito
vida ameaçada, o seio aberto
pulsando anseio que não se recusa
por muito que o tentes evitar.


Ruy Cinatti in em Corpo - Alma, Lisboa: Editorial Presença, 1ª edição

Tuesday, September 8, 2015

Tributo

Surpreendentemente, conseguiu apostar num novo ciclo de leituras através do seu empenho e persistência. Fiel a si mesma e com aparente tranquilidade, a Elisabete inventou-se percorrendo caminhos e batendo a portas de nomes maiores demonstrando que, o que poderia parecer impensável no tempo lhe trouxe um papel de relevo e nos serviu de inspiração. Está de parabéns pela concretização de um projecto que a elevou e nos tornou adeptos. O que o país precisa é de uma renovação de gente anónima e corajosa como ela.

Monday, September 7, 2015

Refúgio

Para alguns a praia era já um vestígio distante. Mas, para ela continuava a ser uma forma de apreciar a natureza, serena e mais introspectiva que, a ajudava a enfrentar a complexidade da vida.

Sunday, September 6, 2015

Saturday, September 5, 2015

Simples e especial

O sítio é perfeito. A ocasião ideal. Os scones feitos na hora, a compota caseira e os bolos regionais. O chá é de produção local. E o cenário idílico. Nada mais sobra a desejar.

Friday, September 4, 2015

Ouve-se

Se a encostares ao ouvido
ouve-se o mar
O que é preciso é saber escutar


Jorge Sousa Braga in Fogo Sobre Fogo, Lisboa: Fenda, 1ª edição - 1998

Thursday, September 3, 2015

Inspiração

Se a tua dor te aflige, faz dela um poema.

Eça de Queirós

Wednesday, September 2, 2015

Festiva


Tuesday, September 1, 2015

Da janela

Da janela via-se a praça.
As árvores, as pombas.
Os táxis torrando ao sol.
Cisma, sede, paixão
faltavas tu.

Fernando Assis Pacheco in em A Musa Irregular - Lisboa: Assírio & Alvim, 2006