Thursday, March 31, 2016
Wednesday, March 30, 2016
Tuesday, March 29, 2016
A poesia guardada
A poesia
está guardada nas palavras – é tudo que eu sei.
Meu fado é
o de não saber quase tudo.
Sobre o
nada eu tenho profundidades.
Não tenho
conexões com a realidade.
Poderoso
para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim
poderoso é aquele que descobre as
insignificâncias
(do mundo e as nossas).
Por essa
pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei
emocionado e chorei.
Sou fraco
para elogios.
Manoel de Barros
Monday, March 28, 2016
Sunday, March 27, 2016
Saturday, March 26, 2016
Friday, March 25, 2016
Thursday, March 24, 2016
Wednesday, March 23, 2016
O desejo
"Não
tenho nenhuma lei nem regra
para desordenar um poema escrito
não tenho mais que o desejo de tocar-te
ó coisa inúmera que entretanto
além de tocar
conto e reconto
continuadamente"
Herberto Helder in Letra Aberta (25.11.1930 - 23.03.2015)
Tuesday, March 22, 2016
Monday, March 21, 2016
Sunday, March 20, 2016
Saturday, March 19, 2016
Friday, March 18, 2016
Thursday, March 17, 2016
Wednesday, March 16, 2016
Tuesday, March 15, 2016
Monday, March 14, 2016
A eternidade das mãos
Esta linguagem é pura. No meio está uma fogueira
e a eternidade das mãos.
Esta linguagem é colocada e extrema e cobre, com suas
lâmpadas, todas as coisas.
As coisas que são uma só no plural dos nomes.
─ E nós estamos dentro, subtis, e tensos
na música.
Esta linguagem era o disposto verão das musas,
o meu único verão.
A profundidade das águas onde uma mulher
mergulha os dedos, e morre.
Onde ela ressuscita indefinidamente.
─ Porque uma mulher toma-me
em suas mãos livres e faz de mim
um dardo que atira. - Sou amado,
multiplicado, difundido. Estou secreto, secreto -
e doado às coisas mínimas.
Na treva de uma carne batida como um búzio
pelas cítaras, sou uma onda.
Escorre minha vida imemorial pelos meandros
cegos. Sou esperado contra essas veias soturnas, no meio
dos ossos quentes. Dizem o meu nome: Torre.
E de repente eu sou uma torre queimada
pelos relâmpagos. Dizem: ele é uma palavra.
E chega o verão, e eu sou exactamente uma Palavra.
─ Porque me amam até se despedaçarem todas as portas,
e por detrás de tudo, num lugar muito puro,
todas as coisas se unirem numa espécie de forte silêncio.
Essa mulher cercou-me com duas mãos.
Vou entrando no seu tempo com essa cor de sangue,
acendo-lhe as falangetas,
faço um ruído tombado na harmonia das vísceras.
Seu rosto indica que vou brilhar perpetuamente.
Sou eterno, amado, análogo.
Destruo as coisas.
Toda a água descendo é fria, fria.
Os veios que escorrem são a imensa lembrança. Os velozes
sóis que se quebram entre os dedos,
as pedras caídas sobre as partes mais trémulas
da carne,
tudo o que é húmido, e quente, e fecundo,
e terrivelmente belo
─ não é nada que se diga com um nome.
Sou eu, uma ardente confusão de estrela e musgo.
E eu, que levo uma cegueira completa e perfeita, acendo
lírio a lírio todo o sangue interior,
e a vida que se toca de uma escoada
recordação.
Toda a juventude é vingativa.
Deita-se, adormece, sonha alto as coisas da loucura.
Um dia acorda com toda a ciência, e canta
ou o mês antigo dos mitos, ou a cor que sobe
pelos frutos,
ou a lenta iluminação da morte como espírito
nas paisagens de uma inspiração.
A mulher pega nessa pedra tão jovem,
e atira-a para o espaço.
Sou amado. - E é uma pedra celeste.
Há gente assim, tão pura. Recolhe-se com a candeia
de uma pessoa. Pensa, esgota-se, nutre-se
desse quente silêncio.
Há gente que se apossa da loucura, e morre, e vive.
Depois levanta-se com os olhos imensos
e incendeia as casas, grita abertamente as giestas,
aniquila o mundo com o seu silêncio apaixonado.
Amam-me, multiplicam-me.
Só assim eu sou eterno.
Herberto Helder in poesia toda - assírio & alvim
1996
Sunday, March 13, 2016
Saturday, March 12, 2016
Para ti
Para ti eu criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
Como o florir das ondas ordenadas
Sophia de Mello Breyner Andresen
Friday, March 11, 2016
Thursday, March 10, 2016
Wednesday, March 9, 2016
Tuesday, March 8, 2016
Para além do tempo
Há mulheres que trazem o mar nos olhos
Não pela cor
Mas pela vastidão da
alma
E trazem a poesia nos
dedos e nos sorrisos
Ficam para além do
tempo
Como se a maré nunca
as levasse
Da praia onde foram
felizes
Há mulheres que trazem
o mar nos olhos
pela grandeza da
imensidão da alma
pelo infinito modo
como abarcam as coisas e os Homens...
Há mulheres que são
maré em noites de tardes
e calma.
Sophia de Mello Breyner Andresen
Monday, March 7, 2016
Sunday, March 6, 2016
Saturday, March 5, 2016
Um café num dia de inverno
o inverno
avançava
nessa tarde em que te ouvi
assaltado por dores
o céu quebrava-se aos disparos
de uma criança muito assustada
que corria
o vento batia-lhe no rosto com violência
a infância inteira
disso me lembro
outra noite
cortaste o sono da casa
com frio e medo
apagavas cigarros nas palmas das mãos
e os que te viam choravam
mas tu não, nunca choraste
por amores que se perdem
os naufrágios
são belos
sentimo-nos tão vivos entre as ilhas, acreditas?
E temos saudades desse mar
que derruba primeiro no nosso corpo
tudo o que seremos depois
«pago-te um
café se me contares
o teu amor»
Jose Tolentino
Mendonça
Thursday, March 3, 2016
De que sítio é a primavera?
fico indiferente a vê-los gostar de poemas
meus da juventude,
poemas tão inconscientes de si quando se
coloca a mão
numa fruta, num livro encadernado,
e estranho, que passem rápido sobre a
ferida ainda aberta,
ou não sintam a rispidez com que se fecha
o dia
ao voltar a página
sob a noite afogando casas, pessoas, todos
os livros do mundo,
e já declina a beleza completamente
despida
da jovem ateniense que abriu a porta e
traz a luz ao quarto inteiro
de
uma só vez,
mas deixa que se suspeite a treva infinda
de onde chega,
ávida fêmea de que equívoca temperatura,
de perguntas como: que idade tem a terra?
em que data de que sítio é a primavera?
ou: este arrepio nas unhas anuncia que
morre de que coisas?
(alguém algures assobia uma canção em
voga)
¿e que terror é este saber que há tanta
vida
neste dia em que decerto, entre ruído e
silêncio cada vez mais fundo,
alguém sente que a ferida lateja,
e há numa página do livro
– aguda, obscura, ofuscante –
uma dedada de sangue?
Herberto Helder
Wednesday, March 2, 2016
Tuesday, March 1, 2016
E o Verão nunca mais vinha
Sentaram-se na areia e descalçaram os
sapatos
Puseram-se a contar pelos dedos os
barcos
Que faltariam para chegar o verão
Nenhum deles falava. Tinham passado
juntos
Algumas noites, num quarto sem vista.
E, embora
Julgassem o contrário, não conheciam
um do outro
muito mais que isso.
Estavam ali sentados para ver se
acontecia alguma coisa.
No verão
Alguém viria forçosamente buscá-los.
Maria
do Rosário Pedreira
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