Sunday, February 9, 2014

Excentricidades

Estonteada, e sem nada perceber, Alice saiu dali disparada. Mais à frente, viu os soldados da Rainha de Copas a pintar as flores brancas que ali existiam de encarnado.
- Mas por que estão a pintar as flores brancas de encarnado?
- Plantámos flores brancas por engano. Como a Rainha só gosta de flores encarnadas, se não pintarmos as flores brancas dessa cor, ela manda cortar as nossas cabeças, responderam eles.

No Reino de Copas, tirando essa maluquice toda, tudo corria normalmente.

Lewis Carroll in Alice no País das Maravilhas

Saturday, February 8, 2014

A vida é um jogo







A palestra de hoje, conduzida pelo André, deu-nos a oportunidade de reflectir um pouco sobre cada um de nós – actores de uma peça de teatro no palco do mundo. No filme da vida distinguem-se dois tipos de personagens. O bom actor e o menos bom. A meta é sermos cada vez melhores, através da prática do bem, com a sabedoria como nossa companheira e, entendendo a mensagem para além de quaisquer palavras. O bem é puro e grandioso e traz-nos benefícios que, culminam com a conquista da felicidade. Só se nos focarmos nas nossas qualidades espirituais conseguimos desenvolver o potencial interior cujo expoente máximo se traduz na essência virtuosa que, nos leva a experimentar a paz em sintonia com o todo.

Controlando emoções, sem nos deixarmos dominar por elas, tal como o bambu permaneceremos leves, firmes, e flexíveis, sentindo na pele a brisa de paz que nos irá embalar

Friday, February 7, 2014

O vento

Naquela tarde quebrada
contra o meu ouvido atento
eu soube que a missão das folhas
é definir o vento
Ruy Belo

Thursday, February 6, 2014

Além do tempo

 Nosso amor é impuro
 como impura é a luz e a água
 e tudo quanto nasce
 e vive além do tempo.
 Minhas pernas são água, 
as tuas são luz 
e dão a volta ao universo 
quando se enlaçam 
até se tornarem deserto e escuro. 
E eu sofro de te abraçar 
depois de te abraçar para não sofrer. 


E toco-te 
para deixares de ter corpo 
e o meu corpo nasce 
quando se extingue no teu. 

E respiro em ti 
para me sufocar 
e espreito em tua claridade 
para me cegar, 
meu Sol vertido em Lua, 
minha noite alvorecida. 

Tu me bebes 
e eu me converto na tua sede. 
Meus lábios mordem, 
meus dentes beijam, 
minha pele te veste 
e ficas ainda mais despida. 

Pudesse eu ser tu 
E em tua saudade ser a minha própria espera. 

Mas eu deito-me em teu leito 
Quando apenas queria dormir em ti. 

E sonho-te 
Quando ansiava ser um sonho teu. 

E levito, voo de semente, 
para em mim mesmo te plantar 
menos que flor: simples perfume, 
lembrança de pétala sem chão onde tombar. 

Teus olhos inundando os meus 
e a minha vida, já sem leito, 
vai galgando margens 
até tudo ser mar. 
Esse mar que só há depois do mar. 

Mia Couto in idades cidades divindades


Wednesday, February 5, 2014

A condição humana

De certo modo, a imagem, não só, dispensa quaisquer comentários como nos emudece perante o irrazoável. A sede que, ainda, subsiste, cintila-lhe, assustadoramente, nos olhos que, não vemos, mas imaginamos de um efeito devastador. Que o futuro não se limita apenas à resignação, e gestos e movimentos se manifestem de uma forma mais consciente e menos ameaçadora. 

Tuesday, February 4, 2014

Dupla celebração






À prova de pressões e da realidade agreste, olhando para o seu percurso chega-se à conclusão que na sua vida há sempre qualquer espécie de desafio, por isso a sua relação com ela é tão tórrida e inspiradora! Se conseguisse acompanhá-la na correria, nas demais das vezes, obteria tudo aquilo que pretendo fazer, até agora, sem sucesso.

Monday, February 3, 2014

Um só momento

Dai-me um dia branco, um mar de beladona
Um movimento
Inteiro, unido, adormecido
Como um só momento.

Eu quero caminhar como quem dorme
Entre países sem nome que flutuam.

Imagens tão mudas
Que ao olhá-las me pareça
Que fechei os olhos.

Um dia em que se possa não saber.


Sophia de Mello Breyner

Sunday, February 2, 2014

Coreografia colectiva


Saturday, February 1, 2014

Apontamentos

Construído em torno de sequências, o «Capricho» fez a meio do mês passado 6 anos. O paralelismo com o quotidiano por mim protagonizado não é ficção. Fragmentos de pequenos textos, histórias, poemas reunidos, interrogações, e tudo o mais que se me perfila na mente, fazem parte de um registo que, me proporciona momentos de pausa que, espero que seja, também, do agrado dos que por aqui passam. 

Thursday, January 30, 2014

Estar em mim

Por muito tempo achei que a ausência é falta. E lastimava, ignorante, a falta. Hoje não a lastimo. Não há falta na ausência. A ausência é um estar em mim. E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços, que rio e danço e invento exclamações alegres, porque a ausência, essa ausência assimilada, ninguém a rouba mais de mim.

Carlos Drummond de Andrade

Wednesday, January 29, 2014

Estarei contigo

 Há dias em que em ti talvez não pense
 a morte mata um pouco a memória dos vivos
 é todavia claro e fotográfico o teu rosto
 caído não na terra mas no fogo
 e se houver dia em que não pense em ti
 estarei contigo dentro do vazio


 Gastão Cruz, in Fogo - Assírio & Alvim

Tuesday, January 28, 2014

Entre dois mundos

Quando a vontade de conhecer se torna irresistível, o sonho passa da imaginação à pura realidade. Não há dúvida que, uma viagem é sempre digna dos mais gloriosos instantes, sobretudo, quando os diferentes lugares se vão deixando descobrir transformando o novo cenário numa evidência.

Monday, January 27, 2014

À descoberta







Aproveitando o fim-de-semana antes deste último Natal, desloco-me a Savannah no estado da Georgia. O tempo está quente, e a curta travessia do rio leva-me até ao centro com elevado significado histórico. Diria mesmo, um verdadeiro tesouro arquitectónico, com autênticas mansões de antigos magnatas de algodão, e aprazíveis praças e parques. A juntar à hospitalidade da população do sul, o excelente peixe e marisco contribuem para atrair turistas que, tal como eu, ao partir, sentem vontade de, um dia, revisitar. 

Saturday, January 25, 2014

Fatal

A vida é como um sonho, é o acordar que nos mata.

Virginia Woolf 1882 - 1941

Friday, January 24, 2014

Findar

Atravessou os céus vazios de nuvens, transpôs fronteiras aquém e além, e partiu de encontro a uma existência mais feliz.

Sunday, December 8, 2013

Vamos ambos de férias. O «Capricho» e eu. 
Até para o ano!

Tuesday, December 3, 2013

A reviravolta

Quanto mais o país se transformava em algo mais complicado, maior era a sua necessidade de escapar dali. Momentaneamente liberta, a reconstrução de um novo cenário, sem dificuldades de percurso, era mais do que nunca, imperativa. Um olhar mais atento poderia levá-la a adquirir a dimensão que, na verdade, e em boa medida, contrastasse com tão desinspirado presente até ao limite da sua idealização.

Saturday, November 30, 2013

Proeza artística


Friday, November 29, 2013

Conforme o gosto

Para começar utilizo os ingredientes mais frescos da época. E, depois de a reduzir a puré, e obter uma textura macia e cremosa, adiciono-lhe sempre alguma coisa que a torne diferente de umas vezes para as outras. Frequentemente, acrescento-lhe coentros ou salsa picada, ou cebolinho como guarnição. Mas, também posso polvilhá-la de pimenta-preta quando faz mais frio, ou, em alternativa, adiciono-lhe uma colher cheia de crème fraîche, ou simplesmente a acompanho de croutons ou de um simples fio de azeite extra virgem. O segredo é servir qualquer sopa, imediatamente, uma vez retirada do lume, e, sem pressas, apreciar cada colherada de cor intensa e repleta de sabores. Bon appétit!

Thursday, November 28, 2013

Renascer

Havia um homem que corria pelo orvalho dentro.
O orvalho da muita manhã.
Corria de noite, como no meio da alegria,
pelo orvalho parado da noite.
Luzia no orvalho. Levava uma flecha
pelo orvalho dentro, como se estivesse a ser caçado
loucamente
por um caçador de que nada se sabia.
E era pelo orvalho dentro.
Brilhava.

Não havia animal que no seu pêlo brilhasse
assim na morte,
batendo nas ervas extasiadas por uma morte
tão bela.
Porque as ervas têm pálpebras abertas
sobre estas imagens tremendamente puras.

Pelo orvalho dentro.
De dia. De noite.
A sua cara batia nas candeias.
Batia nas coisas gerais da manhã.
Havia um homem que ia admiravelmente perseguido.
Tomava alegria no pensamento
do orvalho. Corria.

Ouvi dizer que os mortos respiram com luzes transformadas.
Que têm os olhos cegos como sangue.
Este corria, assombrado.
Os mortos devem ser puros.
Ouvi dizer que respiram.
Correm pelo orvalho dentro, e depois
estendem-se. Ajudam os vivos.
São doces equivalências, luzes, ideias puras.
Vejo que a morte é como romper uma palavra e passar

— a morte é passar, como rompendo uma palavra,
através da porta,
para uma nova palavra. E vejo
o mesmo ritmo geral. Como morte e ressurreição
através das portas de outros corpos.
Como uma qualidade ardente de uma coisa para
outra coisa, como os dedos passam fogo
à criação inteira, e o pensamento
pára e escurece

— como no meio do orvalho o amor é total.
Havia um homem que ficou deitado
com uma flecha na fantasia.
A sua água era antiga. Estava
tão morto que vivia unicamente.
Dentro dele batiam as portas, e ele corria
pelas portas dentro, de dia, de noite.
Passava para todos os corpos.
Como em alegria, batia nos olhos das ervas
que fixam estas coisas puras.
Renascia.

Herberto Helder in A faca não corta o fogo - assírio & alvim, 2008

Wednesday, November 27, 2013

O paraíso perdido

Nunca mais tiveram paz. Entre o quotidiano lúgubre e o que viveram, esta era, agora, a vida deles. Definitivamente, a realidade não era mais a de outrora. Os sacrifícios tinham sido demasiados e mal dirigidos, as decisões cegas, os desnivelamentos sociais mais que evidentes e o rumo ter-se-ia complicado. Estes eram eles, e nenhum era mais inocente do que o outro. Fingir que não falharam? Só se estivessem a brincar com eles! Sem se ver o fim, e cansados de esperar por quem os fosse salvar, mais do que nunca, era necessário contrariar o que estava a acontecer, desviar o olhar e voltar a sentir os dias de outra maneira. Entre todos havia uma unanimidade de um desejo maior. O de descobrir novas medidas e outras soluções.

Tuesday, November 26, 2013

A nudez da alma

Inventei a dança para me disfarçar.
Ébria de solidão eu quis viver.
E cobri de gestos a nudez da minha alma
Porque eu era semelhante às paisagens esperando
E ninguém me podia entender.

Sophia de Mello Breyner Andresen in Tempo Dividido, 1954

Monday, November 25, 2013

Uma série de fantasmas

O que era vida irreal, é agora realidade,
o que era vergonha, ninharia e ridículo, é vida agora.
O que toma pé são os sonhos,
o que se agita são as paixões desregradas.
Não há limites nem peias.
Vêem-nos como eu te vejo a ti.
Tenho diante de mim este espectáculo,
como se fosse possível aos homens desdobrarem-se
e tomarem corpo, ideias e paixões.
Eles são aquilo que ocultamente desejavam ser,
são o que não se atreviam a ser.
Sob um mundo de verdade há outro mundo de verdade.
É esse mundo invisível e profundo
que passa a ser o inundo visível.
É esse.
Todo o homem é uma série de fantasmas
e passa a vida a arredá-los.
Chegou a vez dos fantasmas.
As nossas ideias e paixões
é que formam as figuras que actuam na vida.

raul brandão in húmus - a outra coisa, fragmento frenesi 2000

Sunday, November 24, 2013

Em movimento


Saturday, November 23, 2013

Pergunta

Porque se suicidam as folhas

 quando se sentem amarelas?

Pablo Neruda

Friday, November 22, 2013

Um lugar na História

A nostalgia dos anos 60 faz-nos, hoje, recuar 50 anos, a um fatídico regresso ao passado. Por detrás do mistério da morte de JFK que, um golpe de tragédia, em directo, acabou por reforçar o mito, tudo nos recorda o homem sedutor e de grande capacidade política que, nunca deve ser esquecido.  

Thursday, November 21, 2013

Não digas nada

Faz-me o favor de não dizer absolutamente nada!
Supor o que dirá
Tua boca velada
É ouvir-te já.


É ouvir-te melhor
Do que o dirias.
O que és não vem à flor
Das caras e dos dias.


Tu és melhor - muito melhor!
Do que tu. Não digas nada. Sê
Alma do corpo nu
Que do espelho se vê.

Mário Cesariny (1923-2006)

Wednesday, November 20, 2013

Os lugares revisitados

Certos episódios da sua vida poder-se-iam definir tanto reais como imaginários. A um canto do jardim, mas não a demasiada distância, encontrava-se uma pequena casa para pássaros. A excitação do regresso de alguma ave mais inquieta repetir-se-ia ao longo das diferentes estações do ano. Espectadora atenta, acaba por desenvolver uma intuição apurada que lhe deslindasse quaisquer sinais, e a única referência, ressalte-se, face à expectativa, era continuar a sonhar com a sua própria fuga e libertação como se as suas vidas coexistissem e originassem alguma coisa de novo. 

Tuesday, November 19, 2013

Passagens interditas

cheguei às portas secretas
atravessei as passagens interditas
e
no labirinto que negou os meus passos
vi tesouros que não eram meus


Maria Alexandre Dáskalos

Monday, November 18, 2013

Fez-se luz


Sunday, November 17, 2013

Espantar o frio

Depois do sol, os fins de tarde passaram, então, a ser reservados junto à lareira. Era para lá que a atenção se deslocava, tardiamente, aquando as indesejadas temperaturas mais baixas. Em redor, uma a uma, as crianças iam-se aproximando à vez, mantendo a tradição viva, em busca do lugar mais quentinho. Tudo o resto deixava de ser questão.

Saturday, November 16, 2013

A quinta

Gosto quando pões a quinta porque me tocas na perna com o nó dos dedos.

Miguel-Manso