Friday, September 13, 2013

Vou com as andorinhas

Nada a fazer, amor, eu sou do bando
Impermanente das aves friorentas;
E nos galhos dos anos desbotando
Já as folhas me ofuscam macilentas;

E vou com as andorinhas. Até quando?
À vida breve não perguntes: cruentas
Rugas me humilham. Não mais em estilo brando
Ave estroina serei em mãos sedentas.

Pensa-me eterna que o eterno gera
Quem na amada o conjura. Além, mais alto,
Em ileso beiral, aí espera:

Andorinha indemne ao sobressalto
Do tempo, núncia de perene primavera.
Confia. Eu sou romântica. Não falto.

Natália Correia (1923 - 1993) in Sonetos Românticos

Thursday, September 12, 2013

A visita



O facto de a Carina estar de regresso, após um ano de ausência no estrangeiro, serviu de pretexto para reunir um grupo de amigas e celebrar a intensidade do final do Verão, e o sentido de esperança e promessa, nos dias que aí vêm. 

Wednesday, September 11, 2013

Universo coreográfico


Tuesday, September 10, 2013

O reencontro

Totalmente desinspirada, o enorme distanciamento em relação à cidade, obriga-a a partir, apesar de muita hesitação. Importa saber que, os percursos incertos nunca auguraram nada de bom. Contudo, anos volvidos, ela encarou a vida com a determinação que sempre a caracterizou, dando o salto quântico que a devolve à ruralidade da infância e lhe permite, uma vez mais, ser feliz.

Monday, September 9, 2013

Recursos selvagens





Despontam, espontâneos, em terrenos incultos e pedregosos, muitas vezes, junto a oliveiras, ou pelas fendas de velhos muros. Estes pequenos arbustos, de espinhos fortes, apresentam pequenas bagas encarnadas, e floração intensa no Verão. A dureza da terra contrasta com a delicadeza da sua aparência branca e luminosa, e a suavidade do seu aroma. Lá para finais de Novembro colheremos os novos rebentos – os espargos bravos! Depois de se remover as extremidades mais rijas, os restantes pedaços, por serem tenros, são muito apreciados em ovos mexidos, migas, grelhados e enrolados em presunto, ou simplesmente, salteados em azeite e alho. Nestas caminhadas ao ar livre com o Rico é com paixão que, acompanhamos o ritmo das estações, em perfeita comunhão com a natureza. 

Sunday, September 8, 2013

Oculto abrigo

Pela dança voltamos ao ventre materno. Foi lá, nesse oculto abrigo, que libertamos o primeiro tambor e executamos os primeiros movimentos de embalo. Foi lá que fomos peixes, fomos água, adormecida onda, incessante maré.

Mia Couto

Saturday, September 7, 2013

Urgência

 Porque
 não vens agora, que te quero
 E adias esta urgência?
 Prometes-me o futuro e eu desespero
 O futuro é o disfarce da impotência.

 Hoje, aqui, já, neste momento,
 Ou nunca mais.
 A sombra do alento é o desalento
 O desejo o limite dos mortais.

 Miguel Torga



Friday, September 6, 2013

Tempo de passagem

Movimenta-se de uma forma frágil e ligeira, e de certa maneira como se, passo a passo, lhe acompanhasse o destino. Primeiro, momentaneamente, liberta, em acelerada queda livre, não se parecendo a nada antes visto. A partir daqui o que está por trás desta visão é toda uma percepção intuitiva onde tudo se lhe afigura exacto e, inegavelmente, com um forte sentido de esperança.

Thursday, September 5, 2013

Descontextualizada

Presa ao instante, de repente, suspende os passos em desesperada manobra. A escadaria surge-lhe como um enigma. O mais provável seria não ir além daquele lugar específico. Um espaço denso e sinuoso que, lhe parecia demasiado arriscado quando a respiração lhe começava a escapar. Mais tarde ou mais cedo, ao olhar de quem via, a cidade inteira reduzir-se-ia à sombra de um traço. 

Wednesday, September 4, 2013

Tuesday, September 3, 2013

A vida comum

O dia ganhava tons mais sombrios, quando se aproximou da janela. Do edifício em frente, roupa estendida secava ao longo das várias varandas. Escondem infinitas histórias, pensava ela, e, certamente, nem sequer a meio vão. Do lado de fora do prédio, junto à porta da entrada, alguém a olhava como se a espiasse também, e lhe devolvesse esse mesmo sentimento de coscuvilhice mútua tão próprio da vizinhança. 

Monday, September 2, 2013

A contrastar

De um momento para o outro pareceu-lhe uma tentação irresistível. E, quando se sentia deprimida, apenas escolhas fora do âmbito da crise, como a ida a um bom restaurante ou às compras, de preferência no mesmo espaço contínuo, a pareciam reconfortar. Já sem pensar, ou olhar para trás, entrou na sapataria – razão de peso para salvar alguma coisa no meio de uma realidade de absoluto cataclismo social. 

Sunday, September 1, 2013

Forma popular de arte




O branco dá tom ao mote. Particularmente concorrida, em busca de um som ou de algum encantamento, a cidade de Loulé deixa-se inundar de música e teatralidade, e acolhe um público diverso de todas as idades e estratos sociais. Sustentada pelo investimento municipal, é nesta envolvência que decorre a «noite branca». Periclitante, cruza-se com os meus olhares dispersos toda uma estrutura cénica seguida de algum aperto. Elas, vaporosas e atraentes de tão cintilantes, deixam-se, facilmente, fotografar, e entram e saem de cena, combinando com um entretenimento de rua numa verdadeira mostra de êxito e sedução como se algo de mágico pairasse no ar. Nada menos que isso. Por esta ocasião, reconheço que, há noites muito melhores que certos dias.

Saturday, August 31, 2013

Tristes geografias


 Dei-te o meu corpo como quem estende
 um mapa antes de viagem, para que nele
 descobrisses ilhas e paraísos e aí pousasses
 os dedos devagar, como fazem as aves
 quando encontram o verão. Se me tivesses

 tocado, ter-me-ia desmanchado nos teus braços
 como uma escarpa pronta a desabar, ou
 uma cidade do litoral a definhar nas ondas.

 Mas, afinal, foste tu que desenhaste mapas
 nas minhas mãos - tristes geografias,
 labirintos de razões improváveis, tão curtas
 linhas que a minha vida não teve tempo
 senão para pressentir-se. Por isso, guardo

 dos teus gestos apenas conjecturas, sombras,
 muros e regressos - nem sequer feridas
 ou ruínas. E, ainda assim, sem eu saber  porquê,
 as ondas ameaçam o lago dos meus olhos.

 Maria do Rosário Pedreira

Friday, August 30, 2013

A luz do Verão

O Verão era tudo isso. Uma praia que resplandecia de alegria sob o esplendor do sol, o céu azul, tanta superfície cristalina e o registo de corpos à beira-mar. O seu olhar perdia-se a um ritmo, supostamente, lento. Vivemos inundados de tudo que transborda, pensou, o que, por si só, justificava que voltasse a preparar-se para mergulhar de novo. 

Thursday, August 29, 2013

O que vem depois

Chegou a pensar desistir, mas o sol quente do meio-dia convidou-a a sair do impasse. Antes do almoço, solta as amarras e mergulha sem complexos, à espera de descobrir até onde podia ir, na busca de espectros e vestígios que, no oceano, continuam a sobrar. Réstias de sonhos surgem, a todo o instante, num jogo próximo do fim. 

Wednesday, August 28, 2013

Primeiro acto


Tuesday, August 27, 2013

Emoções fortes

fôsses tu um grande espaço e eu tacteasse
com todo o meu corpo sôfrego e cego

herberto helder in servidões, assírio & alvim 2013


Monday, August 26, 2013

Linha de fuga

- Segue em frente. Disseram-lhe as flores em coro.
Alice obedeceu. Andou, andou, e encontrou em cima de um cogumelo um bichinho verde que lhe perguntou:
- Que desejas?
Percebendo a tristeza de Alice, o bichinho verde disse:
- Come do cogumelo, mas só do lado direito, senão diminuis de tamanho.

Minutos depois de comer, Alice voltou à sua estatura normal. Radiante da vida, acabou por levar consigo mais dois pedacinhos.

Lewis Carroll in Alice no País das Maravilhas

Sunday, August 25, 2013

Sobre a água

Mas se amo os teus pés
é só porque andaram
sobre a terra e sobre
o vento e sobre a água,
até me encontrarem.



Pablo Neruda