Tuesday, February 11, 2014

Esta cabeça não é minha

nunca mais quero escrever numa língua voraz,
porque já sei que não há entendimento,
quero encontrar uma voz paupérrima,
para nada atmosférico de mim mesmo: um aceno de mão rasa
abaixo do motor da cabeça,
tanto a noite caminhando quanto a manhã que irrompe,
uma e outra só acham
a poeira do mundo:
antes fosse a montanha ou o abismo -
estou farto de tanto vazio à volta de nada,
porque não é língua onde se morra,
esta cabeça não é minha, dizia o amigo do amigo, que me disse,
esta morte não me pertence,
este mundo não é o outro mundo que a outra cabeça urdia
como se urdem os subúrbios do inferno
num poema rápido tão rápido que não doa
e passa-se numa sala com livros, flores e tudo,
e não é justo, merda!
quero criar uma língua tão restrita que só eu saiba,
e falar nela de tudo o que não faz sentido
nem se pode traduzir no pânico de outras línguas,
e estes livros, estas flores, quem me dera tocá-los numa vertigem
como quem fabrica uma festa, um teorema, um absurdo,
ah! um poema feito sobretudo de fogo forte e silêncio

Herberto Helder in Servidões, Lisboa: Assírio & Alvim, 2013

Monday, February 10, 2014

Passo a passo


Sunday, February 9, 2014

Excentricidades

Estonteada, e sem nada perceber, Alice saiu dali disparada. Mais à frente, viu os soldados da Rainha de Copas a pintar as flores brancas que ali existiam de encarnado.
- Mas por que estão a pintar as flores brancas de encarnado?
- Plantámos flores brancas por engano. Como a Rainha só gosta de flores encarnadas, se não pintarmos as flores brancas dessa cor, ela manda cortar as nossas cabeças, responderam eles.

No Reino de Copas, tirando essa maluquice toda, tudo corria normalmente.

Lewis Carroll in Alice no País das Maravilhas

Saturday, February 8, 2014

A vida é um jogo







A palestra de hoje, conduzida pelo André, deu-nos a oportunidade de reflectir um pouco sobre cada um de nós – actores de uma peça de teatro no palco do mundo. No filme da vida distinguem-se dois tipos de personagens. O bom actor e o menos bom. A meta é sermos cada vez melhores, através da prática do bem, com a sabedoria como nossa companheira e, entendendo a mensagem para além de quaisquer palavras. O bem é puro e grandioso e traz-nos benefícios que, culminam com a conquista da felicidade. Só se nos focarmos nas nossas qualidades espirituais conseguimos desenvolver o potencial interior cujo expoente máximo se traduz na essência virtuosa que, nos leva a experimentar a paz em sintonia com o todo.

Controlando emoções, sem nos deixarmos dominar por elas, tal como o bambu permaneceremos leves, firmes, e flexíveis, sentindo na pele a brisa de paz que nos irá embalar

Friday, February 7, 2014

O vento

Naquela tarde quebrada
contra o meu ouvido atento
eu soube que a missão das folhas
é definir o vento
Ruy Belo

Thursday, February 6, 2014

Além do tempo

 Nosso amor é impuro
 como impura é a luz e a água
 e tudo quanto nasce
 e vive além do tempo.
 Minhas pernas são água, 
as tuas são luz 
e dão a volta ao universo 
quando se enlaçam 
até se tornarem deserto e escuro. 
E eu sofro de te abraçar 
depois de te abraçar para não sofrer. 


E toco-te 
para deixares de ter corpo 
e o meu corpo nasce 
quando se extingue no teu. 

E respiro em ti 
para me sufocar 
e espreito em tua claridade 
para me cegar, 
meu Sol vertido em Lua, 
minha noite alvorecida. 

Tu me bebes 
e eu me converto na tua sede. 
Meus lábios mordem, 
meus dentes beijam, 
minha pele te veste 
e ficas ainda mais despida. 

Pudesse eu ser tu 
E em tua saudade ser a minha própria espera. 

Mas eu deito-me em teu leito 
Quando apenas queria dormir em ti. 

E sonho-te 
Quando ansiava ser um sonho teu. 

E levito, voo de semente, 
para em mim mesmo te plantar 
menos que flor: simples perfume, 
lembrança de pétala sem chão onde tombar. 

Teus olhos inundando os meus 
e a minha vida, já sem leito, 
vai galgando margens 
até tudo ser mar. 
Esse mar que só há depois do mar. 

Mia Couto in idades cidades divindades


Wednesday, February 5, 2014

A condição humana

De certo modo, a imagem, não só, dispensa quaisquer comentários como nos emudece perante o irrazoável. A sede que, ainda, subsiste, cintila-lhe, assustadoramente, nos olhos que, não vemos, mas imaginamos de um efeito devastador. Que o futuro não se limita apenas à resignação, e gestos e movimentos se manifestem de uma forma mais consciente e menos ameaçadora. 

Tuesday, February 4, 2014

Dupla celebração






À prova de pressões e da realidade agreste, olhando para o seu percurso chega-se à conclusão que na sua vida há sempre qualquer espécie de desafio, por isso a sua relação com ela é tão tórrida e inspiradora! Se conseguisse acompanhá-la na correria, nas demais das vezes, obteria tudo aquilo que pretendo fazer, até agora, sem sucesso.

Monday, February 3, 2014

Um só momento

Dai-me um dia branco, um mar de beladona
Um movimento
Inteiro, unido, adormecido
Como um só momento.

Eu quero caminhar como quem dorme
Entre países sem nome que flutuam.

Imagens tão mudas
Que ao olhá-las me pareça
Que fechei os olhos.

Um dia em que se possa não saber.


Sophia de Mello Breyner

Sunday, February 2, 2014

Coreografia colectiva


Saturday, February 1, 2014

Apontamentos

Construído em torno de sequências, o «Capricho» fez a meio do mês passado 6 anos. O paralelismo com o quotidiano por mim protagonizado não é ficção. Fragmentos de pequenos textos, histórias, poemas reunidos, interrogações, e tudo o mais que se me perfila na mente, fazem parte de um registo que, me proporciona momentos de pausa que, espero que seja, também, do agrado dos que por aqui passam. 

Thursday, January 30, 2014

Estar em mim

Por muito tempo achei que a ausência é falta. E lastimava, ignorante, a falta. Hoje não a lastimo. Não há falta na ausência. A ausência é um estar em mim. E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços, que rio e danço e invento exclamações alegres, porque a ausência, essa ausência assimilada, ninguém a rouba mais de mim.

Carlos Drummond de Andrade

Wednesday, January 29, 2014

Estarei contigo

 Há dias em que em ti talvez não pense
 a morte mata um pouco a memória dos vivos
 é todavia claro e fotográfico o teu rosto
 caído não na terra mas no fogo
 e se houver dia em que não pense em ti
 estarei contigo dentro do vazio


 Gastão Cruz, in Fogo - Assírio & Alvim

Tuesday, January 28, 2014

Entre dois mundos

Quando a vontade de conhecer se torna irresistível, o sonho passa da imaginação à pura realidade. Não há dúvida que, uma viagem é sempre digna dos mais gloriosos instantes, sobretudo, quando os diferentes lugares se vão deixando descobrir transformando o novo cenário numa evidência.

Monday, January 27, 2014

À descoberta







Aproveitando o fim-de-semana antes deste último Natal, desloco-me a Savannah no estado da Georgia. O tempo está quente, e a curta travessia do rio leva-me até ao centro com elevado significado histórico. Diria mesmo, um verdadeiro tesouro arquitectónico, com autênticas mansões de antigos magnatas de algodão, e aprazíveis praças e parques. A juntar à hospitalidade da população do sul, o excelente peixe e marisco contribuem para atrair turistas que, tal como eu, ao partir, sentem vontade de, um dia, revisitar. 

Saturday, January 25, 2014

Fatal

A vida é como um sonho, é o acordar que nos mata.

Virginia Woolf 1882 - 1941

Friday, January 24, 2014

Findar

Atravessou os céus vazios de nuvens, transpôs fronteiras aquém e além, e partiu de encontro a uma existência mais feliz.

Sunday, December 8, 2013

Vamos ambos de férias. O «Capricho» e eu. 
Até para o ano!

Tuesday, December 3, 2013

A reviravolta

Quanto mais o país se transformava em algo mais complicado, maior era a sua necessidade de escapar dali. Momentaneamente liberta, a reconstrução de um novo cenário, sem dificuldades de percurso, era mais do que nunca, imperativa. Um olhar mais atento poderia levá-la a adquirir a dimensão que, na verdade, e em boa medida, contrastasse com tão desinspirado presente até ao limite da sua idealização.

Saturday, November 30, 2013

Proeza artística