Thursday, April 30, 2015
Wednesday, April 29, 2015
Registo
No labirinto da memória
existiam guardados momentos de explosiva emoção. Um simples vestido de ballet,
por sinal o último que usara em palco, recordava-lhe todo um passado habitado
por imagens em que pensamento e corpo se moviam, um atrás do outro,
inevitavelmente interdependentes.
Tuesday, April 28, 2015
Contactos
O olhar fixo levara-a para um longínquo algo
maior que ela própria. E, por fugazes momentos, julgava acreditar na autenticidade
do seu quotidiano. Mais à frente, a exuberante
visão da Primavera tornara-se cada vez mais nítida e, definitivamente, conquistara-a.
Monday, April 27, 2015
Sunday, April 26, 2015
A milímetros
Partindo de onde era mais difícil lá chegar,
uma imparável sequência de movimentos, fá-los encontrar os seus próprios
caminhos. A perda dos elementos estáticos, impensável na profunda natureza do
lugar, adensa-lhes o estado de ânimo sem que sucumbam a uma situação sensorial
contínua.
Saturday, April 25, 2015
Friday, April 24, 2015
Morrer de amor
agora eu era
linda outra vez
e tu
existias e merecíamos
noite
inteira um tão grande
amor
agora tu
eras como o tempo
despido dos
dias, por fim
vulnerável e
nu, e eu
era por ti
adentro eternamente
lentamente
como só
lentamente
se deve
morrer de amor
Valter Hugo Mãe
Thursday, April 23, 2015
Wednesday, April 22, 2015
Ruído de fundo
Na íntegra escutava-se incertezas e
revelações ou, em alternativa o que nos fazia felizes, o que, frequentemente se
revelava efémero. Enquanto bebíamos o chá, um conjunto de histórias trazia de
volta os nossos melhores momentos. A dimensão da escuta revalidava motivos que,
muitas vezes, uma segunda leitura despertava para as subtilezas do pensamento. Por
outro lado, digamos que uma só palavra desadequada pressupunha a importância de
a questionarmos. Se uma descontinuidade existisse logo surgia um outro
recomeço.
Tuesday, April 21, 2015
Monday, April 20, 2015
Pelos campos mais longos
Um toque leve,
e eu perder-me-ei
- pelas planícies todas do azul,
pelos campos mais longos
que quiseres,
em direcção a leste, a norte,
a sul
Um toque tão macio de rouxinol
que a tortura se apague,
um nome se incendeie
junto ao chão
e expluda com a tarde
Desliza-me na pele
o fio incandescente dos teus dedos,
que eu entrarei de frente
pelo sol,
e arderei no sol,
sem medo
Ana Luísa Amaral
Sunday, April 19, 2015
Saturday, April 18, 2015
Friday, April 17, 2015
O núcleo mais íntimo
Entre um estado apaixonado e o
melancólico, desejos em catadupa levavam-na a aguardar, em intranquilidade,
pelo passo seguinte. Na transitoriedade das horas, mais discreto para não
atrair as atenções, toca-lhe ao de leve conseguindo surpreendê-la,
quando o mundo passa a ser deles.
Thursday, April 16, 2015
Sem registo vocal
Por vezes, o
que a impedia de falar por medo ou pudor calava-a. Não admira, pois, que na
maior parte dos casos a linguagem fosse muda, sem qualquer simples frase. Mais
meio-tom e a matéria tornar-se-ia audível, embora não fosse destinada a perdurar.
Wednesday, April 15, 2015
Habitando-te
Se existisses, serias tu,
talvez um pouco menos exacta,
mas a mesma existência, o mesmo nome, a mesma morada.
Atrás de ti haveria
as mesmas duas palmeiras, e eu estaria
sentado a teu lado como numa fotografia.
Entretanto dobrar-se-ia o mundo
(o teu mundo: o teu destino, a tua idade)
entre ser e possibilidade,
e eu permaneceria acordado
e em prosa, habitando-te como uma casa
ou uma memória.
Manuel António Pina in o caminho familiar da saudade
Monday, April 13, 2015
Do outro lado das palavras
Olhou à sua volta, e com a cabeça
pendente, rendeu-se a um beijo que a faz perder os contornos de tudo que a rodeava.
Leve e indissociável, surge como resposta a um instinto e a um aparente entendimento
comum que, com simplicidade, se prolonga para além do sol descente.
Nunca a linha do horizonte estivera tão perto. Depois, ele dá umas braçadas e, ao afastar-se, ela fica de novo só com os seus demónios.
Sunday, April 12, 2015
Cruzamentos
Concerto dos Al-Mouraria de fusão entre o fado e o tango, no Auditório de Vale do Lobo, em 11 de Abril.
Saturday, April 11, 2015
Friday, April 10, 2015
História familiar
Pense-se o que se pensar era uma família
igual a tantas outras. Dialogava-se, discutia-se, confrontava-se com questões,
aparentemente, irresolúveis, e o olhar sobre o mundo era distinto para cada um.
Porém, uma coisa era certa, e em momento algum, teria de se confinar à disfuncionalidade
ou intimidade encenada. Nada disso. Assim, não surpreenderá a possibilidade de
entendimentos e a resolução de conflitos, a longo prazo, com destaque para a capacidade de um
reencontro com contornos de compromisso, sujeito ao tempo, em que cada um
continue a ser como cada um, mas, mesmo assim, se propicie o reorganizar do
olhar.
Thursday, April 9, 2015
Wednesday, April 8, 2015
Aconteceu
A intenção podia ter sido favorável, contudo, a falta
de envolvimento não sustentou o espectáculo. Ainda que a presença fosse intensa
tornou-se mínima, e sentindo-se sozinha, subtilmente, estendeu as pernas e, à-vontade
recostou-se e deixou-se deslizar. Em vez disso, o guião, a cenografia, a
entrega, o guarda-roupa, os efeitos de luz e toda a harmoniosa sonoridade
ficaram, ao abandono, para 2º plano.
Tuesday, April 7, 2015
Até agora
Começou por ser doce e
delicada, e quase tudo depois se lhes seguiu. A memória do choro e do riso, as
desilusões, alguns desgostos e tudo o mais que a vida escondeu e causou inquietude.
Por último, a existência provara uma vez mais ser efémera. E ainda que
nostalgia e futuro continuassem a dar as mãos, amanhã era um pouco tarde demais.
Monday, April 6, 2015
É primavera
por inúmeras laranjas.
Hoje descubro as grandes razões da
loucura,
os dias que nunca se cortarão como hastes
sazonadas.
Há lugares onde esperar a primavera
como tendo na alma o corpo todo nu.
Apagaram-se as luzes: é o tempo sôfrego
que principia. - É preciso cantar como se
alguém
soubesse como cantar.
Herberto Helder in «A Colher na Boca», 1961
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