Tuesday, September 15, 2015

Lugares-comuns

À mesma hora estava de volta e, num gesto de rotina enche a banheira e submerge. Altamente estimulante, acima de tudo era essencial que o fizesse mantendo-a desperta para si própria.

Monday, September 14, 2015

Linha única

Se chovesse (sempre) trezentos e sessenta e cinco dias por ano,
e as nuvens no céu se repetissem na cor,
na forma, na velocidade, e na lentidão;
e se o sol permanecesse robusto e alto, constante
como o último andar de um edifício (bem construído),
de calor assim assim mas repetindo assim assim
de calor da véspera;
se o mau e o bom tempo fossem uma linha única,
paralela aos dias; se o verão e o inverno
em vez de dois fossem um,
como uma pedra é um, e uma árvore é um,
se, enfim, quem amas permanecesse amado por ti,
hoje exactamente como ontem,
e daqui a trinta anos exactamente como hoje;
então não existiria o tempo,
e os relógios de pulso seriam pulseiras ruidosas,
mecânicas de mais para estarem tão próximas da mão
capaz de tocar com leveza.
E se não há tempo
não podemos trair.



Gonçalo M. Tavares

Sunday, September 13, 2015

Sabores e sensações

Este domingo levou-nos a Almancil para um hambúrguer especial e de contornos bem definidos sobre grelos salteados acompanhado de batata gratinada e mostarda caseira absolutamente divinal. Cozinhar exige dedicação e, quando os alimentos são rigorosamente seleccionados e harmoniosamente combinados em textura e cor, o resultado é pura arte culinária que se tornou num prazer partilhar com a minha filha.

Saturday, September 12, 2015

Mãos errantes


Friday, September 11, 2015

A simulação

Na ausência de um compromisso tornava-se difícil até que ponto aquela forma de representação a marcava. Mesmo assim, não se cansava de lhe colocar a mão à volta do pescoço e num jogo perverso murmurar-lhe vagas e inaudíveis palavras. Como poderia alguém render-se ao que parecia imperceptível e nem sequer fora ouvido?

Thursday, September 10, 2015

Em qualquer parte

Mais uma vez a perdi. Em cada minuto
a perco. Longe revolteiam suas palavras
e seus dedos depositam-se
em qualquer parte.

Se a busco? Esfaimadamente a busco.
Tacteando com a memória a forma com que era
nas noites de amor.
Reconstruindo sua espécie de enorme sorriso.
Busco-a sim, inventando subtilmente
o impudor de cada entrega,
a dádiva sobrenatural da sua carne aberta.
Mais uma vez foi destruída pela vida feroz,
e minha boca não suporta sem palavras
essa coisa mortal.
Sangrentas são as palavras e deixam vestígios
através do tempo.

Longe, naquilo que o acaso teceu,
elaboram-se os gestos. No casulo remoto
forma-se a distância
entre a sua fonte e a minha fonte.
- Com que ser se entende agora seu ser oculto?
E as voltas obscuras e difíceis
dos instintos.

Ela semeia-se. E alguma coisa misteriosamente
a fecunda.
- Ela é colhida por um vento e eu estou bêbedo
de coisas inextricáveis.
Sei que ela acontece. Um círculo de seda
forma-se prementemente,
e ela acontece.

A minha fonte não me dá ironia,
nem um fogo,
uma estrela violenta.
- Fico a saber que ela longe cresce
como outra folha de erva.

Nada em mim suporta. A memória
desimpede-lhe os pés, e beija-os.
Minhas pálpebras exaltam-na.
E a fonte, essa, recusa-a arduamente.

Recebo humildemente esta desordem
da carne, das palavras,
dos dedos bruscos do tempo.
- Recebo tudo, e canto como quem deixa um sinal
maravilhoso.



Herberto Helder in ciclo, poema IV - poesia toda

Wednesday, September 9, 2015

O apelo

O apelo do mar não tem saída,
como na terra o atalho,
o beco mesmo quando, a sobreolho,
a porta se fecha
e uma janela se entreabre
convidativa.

O apelo do mar é como as estrelas
que cintilam a todo o horizonte;
às vezes ecoa num búzio
ou num baixio
denunciado pela crista das ondas
em redemoinho.

O apelo do mar, mesmo rarefeito,
arripia-se nos teus cabelos.
Convida-te a não mais voltar.
Abre-te todos os caminhos
do vasto oceano eleito
vida ameaçada, o seio aberto
pulsando anseio que não se recusa
por muito que o tentes evitar.


Ruy Cinatti in em Corpo - Alma, Lisboa: Editorial Presença, 1ª edição

Tuesday, September 8, 2015

Tributo

Surpreendentemente, conseguiu apostar num novo ciclo de leituras através do seu empenho e persistência. Fiel a si mesma e com aparente tranquilidade, a Elisabete inventou-se percorrendo caminhos e batendo a portas de nomes maiores demonstrando que, o que poderia parecer impensável no tempo lhe trouxe um papel de relevo e nos serviu de inspiração. Está de parabéns pela concretização de um projecto que a elevou e nos tornou adeptos. O que o país precisa é de uma renovação de gente anónima e corajosa como ela.

Monday, September 7, 2015

Refúgio

Para alguns a praia era já um vestígio distante. Mas, para ela continuava a ser uma forma de apreciar a natureza, serena e mais introspectiva que, a ajudava a enfrentar a complexidade da vida.

Sunday, September 6, 2015

Saturday, September 5, 2015

Simples e especial

O sítio é perfeito. A ocasião ideal. Os scones feitos na hora, a compota caseira e os bolos regionais. O chá é de produção local. E o cenário idílico. Nada mais sobra a desejar.

Friday, September 4, 2015

Ouve-se

Se a encostares ao ouvido
ouve-se o mar
O que é preciso é saber escutar


Jorge Sousa Braga in Fogo Sobre Fogo, Lisboa: Fenda, 1ª edição - 1998

Thursday, September 3, 2015

Inspiração

Se a tua dor te aflige, faz dela um poema.

Eça de Queirós

Wednesday, September 2, 2015

Festiva


Tuesday, September 1, 2015

Da janela

Da janela via-se a praça.
As árvores, as pombas.
Os táxis torrando ao sol.
Cisma, sede, paixão
faltavas tu.

Fernando Assis Pacheco in em A Musa Irregular - Lisboa: Assírio & Alvim, 2006


Monday, August 31, 2015

Corpo deitado

Silêncio: a palavra
 respira. Corpo deitado
 no mar. Silêncio de fogo
 e música.

 Silêncio: a palavra sangra
 seu cântico de pó. Peixe
 de sombra
 mordendo as estrelas.

 A palavra só. A palavra
 refresca. Osso abandonado
 na praia deserta.

 A palavra de água
 onde nego a morte. Pausa
 do sol.


Casimiro de Brito


Sunday, August 30, 2015

Saturday, August 29, 2015

Noite Branca


Friday, August 28, 2015

Dizias tu

Sim, dizias tu, mas em seguida
corrigiste: talvez. Esta
é a única palavra
que não tem casa. Que mora
no intervalo
entre o som e o silêncio.

Albano Martins in E um lugar ao sul

Thursday, August 27, 2015

Queiram-me assim

As coisas que procuro
 Não têm nome.
 A minha fala de amor
 Não tem segredo.
  
Perguntam-me se quero
 A vida ou a morte.
 E me perguntam sempre
 Coisas duras.

Tive casa e jardim.
 E rosas no canteiro.
 E nunca perguntei
 Ao jardineiro
 O porquê do jasmim
– Sua brancura, o cheiro.

Queiram-me assim.
 Tenho sorrido apenas.
 E o mais certo é sorrir
 Quando se tem amor

 Dentro do peito.

Hilda Hilst

Wednesday, August 26, 2015

Diz-me

Diz-me, porque não nasci igual aos outros, sem dúvidas, sem desejos de impossível?


Florbela Espanca

Tuesday, August 25, 2015

Monday, August 24, 2015

Fora de série

Não é só a voz, É a cumplicidade com os músicos, a presença em palco, a postura efusiva mas sóbria, as palavras com significado, a graciosidade dos gestos, e a paixão com que canta e nos magnetiza. Ainda estou a digerir um concerto que me superou por completo as expectativas. A Carminho elevou-se e elevou-nos a um outro patamar!

Saturday, August 22, 2015

Era madrugada





Disse-te adeus
Não me lembro
em que dia de Setembro
só sei que era madrugada;
a rua estava deserta
e até a lua discreta
fingiu que não deu por nada

sorrimos à despedida
como quem sabe que a vida
é nome que a morte tem
nunca mais nos encontrámos
e nunca mais perguntámos
um p'lo outro a ninguém

que memória ou que saudade
contará toda a verdade
do que não fomos capazes
por saudade ou por memória
eu só sei contar a história

da falta que tu me fazes

Thursday, August 20, 2015

Em direcção incerta


O tempo dilatou-se ainda agora
quando te olhei nos olhos e me vi.
Em direcção incerta, dilatou-se
e depois implodiu, solene e devagar

Nunca visão alguma observada assim:
a quarta dimensão toda em avesso,
eu reflectida e refractada em luz,
assombrosas fracções mileneares

Fenómeno maior, mais do que super nova
ou que quasar: tempo aos espasmos
Tudo porque os teus olhos se afastaram
da órbita vulgar


Ana Luísa Amaral

Wednesday, August 19, 2015

Construção marítima


Tuesday, August 18, 2015

Em toda a parte

Quem a visse, sentia-a superlativamente viva ao vestir-se com o que julgava ficar-lhe bem. Pelo caminho, tudo lhe interessava desde o supérfluo ao mais profundo. Nada de assombroso, afinal.

Monday, August 17, 2015

Sunday, August 16, 2015

Indefinível

Há uma cor que não vem nos dicionários. É essa indefinível cor que tem todos os retratos, os figurinos da última estação… - a cor do tempo.

Mário Quintana

Saturday, August 15, 2015

Salto no escuro


Friday, August 14, 2015

Arte urbana


Thursday, August 13, 2015

Vento

"Às vezes ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido."

Fernando Pessoa

Wednesday, August 12, 2015

Reconhecer

 O inferno dos vivos não é uma coisa que virá a existir; se houver um, é o que já está aqui, o inferno que habitamos todos os dias, que nós formamos ao estarmos juntos. Há dois modos para não o sofrermos. O primeiro torna-se fácil para muita gente: aceitar o inferno e fazer parte dele a ponto de já não o vermos. O segundo é arriscado e exige uma tenção e uma aprendizagem contínuas: tentar e saber reconhecer, no meio do inferno, quem e o que não é inferno, e fazê-lo viver, e dar-lhe lugar.

Italo Calvino in As Cidades Invisíveis

trad. José Colaço Barreiros -Editorial Teorema, 2002

Tuesday, August 11, 2015

Plantado

Quanto mais longe vou, mais perto fico
 De ti, berço infeliz onde nasci.
 Tudo o que tenho, o tenho aqui
 Plantado.
 O coração e os pés, e as horas que vivi,
 Ainda não sei se livre ou condenado.
  
Miguel Torga in diário XII

Monday, August 10, 2015

Em movimento


Sunday, August 9, 2015

Domingo de lazer