Saturday, August 16, 2008

Olhares indiscretos

«Com ambrósia, começa por apagar do seu corpo desejável todas as impurezas. Unta-o a seguir com um óleo gorduroso, divino e suave, cujo perfume é feito por ela; quando ela o agita no palácio de Zeus na entrada de Bronze, o seu aroma inunda a terra e o céu. Unta com ele o seu belo corpo, depois penteia os cabelos com as próprias mãos e entrança-o em tranças luzidias, que pendem, belas e divinas, do alto da sua fronte eterna»
Ilíada de Homero, XIV, 170-177 (sobre Hera)
«Após o que veste um vestido divino que Atena para ela havia feito e polido; juntando-lhe grande número de ornamentos. Com broches de oiro prende-o no colo. Cinge-se com um cinto de cem franjas. Nos lóbulos furados das suas orelhas enfia os brincos, de três gemas cada, grandes como amoras, de um brilho infinito. A cabeça, por fim, cobre-a a divina com um belíssimo véu, ainda por estrear, branco como o sol. Nos formosos pés, calça belas sandálias»
Ilíada de Homero, XIV, 178-186 (sobre Hera)

Friday, August 15, 2008

Wednesday, August 13, 2008

Nem grande nem inteligente

O meu país sabe as amoras bravas
no verão.
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país,
talvez nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
reparo que também no meu país o céu é azul.


Sophia de Mello Breyner Andresen

Tuesday, August 12, 2008

Súplica

Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.
Perde-se a vida a desejá-la tanto
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.


Miguel Torga

Monday, August 11, 2008

Poente

Como sempre, o vento
caiu ao fim da tarde, com a calma
branca dos muros; e as horas
estendiam-se pelo campo,
como os pássaros do poente.
Mas doíam-me as dúvidas
que trouxe deste dia; e
colei-as às flores de uma árvore,
para que delas nasçam
os frutos luminosos de amanhã.
De noite, quando me esquecer
da ondulação verde da terra,
ouvirei o silêncio - e nas suas palavras
contarei as sílabas mudas do amor,
enquanto o mundo não acorda.

Nuno Júice

Friday, August 8, 2008

Desígnios da Universalidade


Já 2500 anos antes de Cristo, que a cada quatro anos, centenas de atletas se reuniam para disputar um conjunto de modalidades desportivas. Ainda hoje os Jogos Olímpicos reflectem a disciplina de toda uma sociedade, mantendo a sua dimensão religiosa pela pacificação, tal como na civilização grega se promovia a amizade e a unidade helénica. Esta forma desportiva ritualista teve hoje dia 08-08-08 a sua cerimónia de abertura, na China, que através dos 29º Jogos Olímpicos de Verão projectam o país no futuro, quando os grandes atletas irão ficar na nossa memória colectiva para todo o sempre.

Tuesday, August 5, 2008

Brisa de Verão

«…… De um quarto quente, corremos a uma varanda, uma praia ou uma janela. O mar visita-nos mesmo no espelho. Ao crepúsculo, um sangue alaranjado aflui ao rosto das casas. Depois do mar, sulcamos a terra, a caminho da noite, viajamos na brisa, na fugitiva liberdade dos nossos sonhos.»

António Ramos Rosa

Monday, August 4, 2008

Existências

Quem me lá levou foi uma amiga em comum. Surpreendi-a no seu recôndito recanto, entre o colorido de mil flores, e alguns dos seus animais de estimação. A saber as cadelas Diana, e Carlota, o coelho Nini, e a galinha Nandinha. Com isto espero não estar a cometer nenhuma inconfidência, pois afinal foi há pouco tempo que me aproximei da Mécia, a propósito do seu fantástico quadro «Outono no Canal». Fui em busca de mais obras-primas, mas surpreendentemente constatei, que apenas pinta há 2 anos, e é na salinha da máquina de costura que me deparo com os arcos de Faro, Lagoa, e Albufeira, executados a lápis de aguarela, quando se inicia. Por cima da lareira encontra-se o seu quadro das «Papoilas» em pastel seco, enquanto que a «Rosa» tem lugar de destaque no quarto, ambos de 2006. O ponto de cruz é também o seu forte, e já em 1998 o jeito lhe é reconhecido através duma menção honrosa, num concurso a que terá participado em Vila Nova de Gaia. Mas os seus talentos não ficam por aqui, e apesar de lhe notar uma certa reserva, inesperadamente prolonga-nos a tarde partilhando connosco um momento poético. Os sons, e as cadências despertam um passado adormecido amargurado, que em nada se parece já com o seu presente. Actualmente, os dias para a Mécia decorrem na tranquilidade da sua casa térrea, na companhia dos que lhe são mais fiéis, reproduzindo da sua marquise repleta de luz, uma a uma, as maravilhosas flores que a rodeiam.

No poema ficou o fogo mais secreto
O intenso fogo devorador das coisas
Que esteve sempre muito longe e muito perto

Sophia de Mello Breyner Andresen

Saturday, August 2, 2008

Cantar o dia

De palavra em palavra
a noite sobe
os ramos mais altos

e canta
o êxtase do dia.

Friday, August 1, 2008

Opções

Não vale a pena contar. Quem teve a sorte de viver, sabe do que falo; quem não viveu, não consegue sequer imaginar. Porque esse Sul que chegava a parecer irreal de tão belo, esse litoral alentejano e algarvio, não é hoje mais do que uma paisagem vergonhosamente prostituída. Sim, sim, eu sei: o desenvolvimento, o turismo, a balança comercial, os legítimos anseios das populações locais, essa extraordinária conquista de Abril que é o poder local. Eu sei, escusam de me dizer outra vez, porque eu já conheço de cor todas as razões e justificações. Não impede: prostituíram tudo, sacrificaram tudo ao dinheiro, à ganância e à construção civil. E não era preciso tanto nem tão horrível.
Podiam, de facto, ter escolhido ter menos turistas em vez de quererem albergar todos os selvagens da Europa, que nem sequer justificam em receitas os danos que em seu nome foram causados. Podiam ter construído com regras e planeamento e um mínimo de bom gosto. Podiam ter percebido que a qualidade de vida e a beleza daquelas terras garantiam trezentos anos de prosperidade, em vez de trinta de lucros a qualquer preço.
E todos os anos, por esta altura, percorrendo estas terras que guardo na memória como a mais incurável das feridas, faço-me a mesma pergunta: Porquê? Porquê tanta devastação, tanto horror, tanta construção, tanta estupidez? Tanto prédio estilo-Brandoa, tanto guindaste, tanto barulho de obras eternas, tanta rotunda, tanta 'escultura' do primo do cunhado do presidente da câmara, e sempre as mesmas estradas, os mesmos (isto é, nenhuns) lugares de estacionamento, os mesmos (isto é, nenhuns) espaços verdes?
Miguel Sousa Tavares

Wednesday, July 30, 2008

Pic-nic

Naquele “pic-nic” de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.

Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão de bico
Um ramalhete rubro de papoulas.

Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, indo o sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos
E pão de ló molhado em malvasia.

Mas, todo púrpuro, a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas!

Cesário Verde

Tuesday, July 29, 2008

Um pouco de si

Cada um que passa em nossa vida,
passa sozinho, pois cada pessoa é única
e nenhuma substitui outra.
Cada um que passa em nossa vida,
passa sozinho, mas não vai só
nem nos deixa sós.
Leva um pouco de nós mesmos,
deixa um pouco de si mesmo.
Há os que levam muito,
mas há os que não levam nada.
Essa é a maior responsabilidade de nossa vida,
e a prova de que duas almas
não se encontram ao acaso.

Sunday, July 27, 2008

Riqueza da palavra


De há 30 anos a esta parte, é sempre assim, durante o verão. Quem cá passa férias, e quem como eu tem o privilégio de residir no Algarve, vai até à Qta da Balaia, neste período de estio, ouvir a palavra de Deus, em pleno ar livre. Neste domingo tivemos a honra da visita do nosso cardeal patriarca – D. José da Cruz Policarpo, que tentando corrigir-nos a visão do Pai, nos apresentou um projecto, através do qual se glorifica o Filho. Só poderemos evocar o poder, e misericórdia de Deus, através da descoberta da centralidade de Jesus, com quem nos devemos identificar. Na parábola de hoje é realçada esta ideia, comparável a um tesouro escondido, que resistindo a tudo, nos acompanha na etapa definitiva das nossas vidas. Afinal ninguém o alcança, sem uma relação directa com Jesus - o rosto de Deus, e o caminho, que ao cruzar-se connosco nos transmite toda a sua bondade, e beleza.

Saturday, July 26, 2008

Resistência

A minha mente recusou-se a sucumbir aos males
E elevou-se invencível empregando as suas forças;
E esquecendo-me de mim próprio e da vida levada pelos ócios
Tomei com mãos desacostumadas a força do tempo
E afrontei tantos perigos, pela terra e pelo mar
Como estrelas há entre o firmamento visível e invisível.

Ovídio

Friday, July 25, 2008

Troca de Olhares/Eye Contact

Nunca me canso de ouvir, ou trautear «Com açúcar, com afecto, fiz teu doce predilecto…», que nas vozes de Nara Leão, e Chico Buarque, sempre me enlevaram o espírito. É daquelas melodias intemporais, que me fala para dentro, reinventando as magias do quotidiano, e valorizando sentimentos, num verdadeiro processo de renovação. Não deixem de ouvir.

I never get fed up of listening or humming «With sugar and affection, I’ve cooked your favourite desert …» that in the voices of the Brazilian singers Nara Leão, and Chico Buarque, always enlighten my spirit. It’s just one of those timeless melodies, that touches my heart, recreating our daily lives, and talking about feelings in a truly renovation process. Make sure you don’t miss it.

Thursday, July 24, 2008

A olho nu


O tempo de uma vida, mesmo que totalmente dedicado ao estudo do céu, não seria suficiente para a investigação de tão vasto tema […] Por isso, esse conhecimento terá de desenvolver-se ao longo de gerações sucessivas. Tempo virá em que os nossos descendentes se surpreenderão por não sabermos coisas que são tão óbvias para eles […] O nosso universo seria uma coisa insignificante se não houvesse sempre nele algo a ser investigado por todas as gerações que vão surgindo […] A natureza não revela os seus mistérios de uma só vez.

Séneca, Questões Naturais, livro 7, século I

Tuesday, July 22, 2008

Smart Parade


A transformação de carros Smart em obras de arte, partiu da iniciativa da CADin – instituição de solidariedade social, que ajuda a promover a integração de cerca de cem mil crianças portuguesas com perturbações no desenvolvimento, na nossa sociedade, de cuja equipa faz orgulhosamente parte a minha sobrinha Carolina. Vinte destas viaturas oferecidas pela Mercedes-Benz Portugal irão ser leiloadas no Casino Estoril, numa cerimónia com Jantar de Gala, a ter lugar no próximo dia 30 de Outubro, com o objectivo de angariar fundos. Até lá, tal como eu, delicie-se com todo este colorido no exterior do Algarve Shopping.

The conversion of Smart cars into works of art, came from CADin - institution of social solidarity, that helps promoting the integration of approximately one hundred thousand Portuguese children with disturbances in the development, and of whose team my niece Carolina is proudly part of. Twenty of these vehicles offered by Mercedes-Benz Portugal will be auctioned at the Casino Estoril, at a Gala Dinner to take place on the 30th of October, seeking to raise funds. Until then, delight yourselves with this entire colour outside the Algarve Shopping.

Monday, July 21, 2008

Rotina

Ao abrir a janela do quarto para outras
janelas de outros quartos, ao veres a rua que desemboca
noutras ruas, e as pessoas que se cruzam, no início da
manhã, sem pensarem com quem se cruzam
em cada início de manhã, talvez te apeteça
voltar para dentro, onde ninguém te espera. Mas
o dia nasceu – um outro dia, e a contagem do tempo
começou a partir do momento em que
abriste a janela, e em que todas as janelas
da rua se abriram, como a tua. Então, resta-te
saber com quem te irás cruzar, esta manhã: se
o rosto que vais fixar, por uns instantes, retribuirá
o teu gesto; ou se alguém, no primeiro café que
tomares, te devolverá a mesma inquietação
que saboreias, enquanto esperas que o líquido
arrefeça.