Thursday, February 12, 2015

À espera da noite

Gasto-me à espera da noite
impraticável
fiel
sugo os lábios da noite
invariável caio
nos poços da noite
Gasto-me à espera da noite alheia
amassada de gargalhadas doces e areia

Luiza Neto Jorge in A noite vertebrada

Wednesday, February 11, 2015

Declaração

Eu gosto de olhos que sorriem e silêncios que se declaram.

Machado de Assis

Tuesday, February 10, 2015

A mão que mexes ao alto

É amargo o coração do poema.
A mão esquerda em cima desencadeia uma estrela,

em baixo a outra mão

mexe num charco branco. Feridas que abrem,

reabrem, cose-as a noite, recose-as
com linha incandescente. Amargo. O sangue nunca pára
de mão a mão salgada, entre os olhos,
nos alvéolos da boca.
O sangue que se move nas vozes magnificando
o escuro atrás das coisas,
os halos nas imagens de limalha, os espaços ásperos
que escreves
entre os meteoros. Cose-te: brilhas
nas cicatrizes. Só essa mão que mexes
ao alto e a outra mão que brancamente
trabalha
nas superfícies centrífugas. Amargo, amargo. Em sangue e exercício
de elegância bárbara. Até que sentado ao meio
negro da obra morras
de luz compacta.
Numa radiação de hélio rebentes pela sombria
violência
dos núcleos loucos da alma.



                                                         Herberto Helder
Le poème continu
somme anthologique
Institut camões/chandeigne
Paris, 2002

Monday, February 9, 2015

O futuro

O frio precipitara-se aqui e além. Era, no mínimo, um acto de provocação que, ninguém poderia pôr em causa. Porém, os pensamentos acompanhavam-lhe os passos apressados enquanto extensões de si própria. Sem fronteiras ou lugar fixo, nada a demovia. Bastava-lhe continuar a caminhar e acreditar no final do inverno e na lenta descontinuidade das temperaturas baixas, remetendo-se para outros dias. 

Sunday, February 8, 2015

Mestria


Saturday, February 7, 2015

A perda

Franz Kafka, conta a história, certa vez encontrou uma menininha no parque onde ele caminhava diariamente. Ela estava chorando. Tinha perdido sua boneca e estava desolada. Kafka ofereceu ajuda para procurar pela boneca e combinou um encontro com a menina no dia seguinte no mesmo lugar. Incapaz de encontrar a boneca, ele escreveu uma carta como se fosse a boneca e leu para a garotinha quando se encontraram. “Por favor, não se lamente por mim, parti numa viagem para ver o mundo.” Esse foi o início de muitas cartas. Quando ele e a garotinha se encontravam ele lia essas cartas compostas cuidadosamente com as aventuras imaginadas da amada boneca. A garotinha se confortava. Quando os encontros chegaram ao fim, Kafka presenteou a menina com uma boneca. Ela era obviamente diferente da boneca original. Uma carta anexa explicava: “minhas viagens me transformaram…”. Muitos anos depois, a garota agora crescida encontrou uma carta enfiada numa abertura escondida da querida boneca substituta. Em resumo, dizia: “Tudo que você ama, você eventualmente perderá, mas, no fim, o amor retornará em uma forma diferente”.

May Benatar in A história de Kafka e a menina que perdeu sua boneca em Berlim

Friday, February 6, 2015

Ao alcance


Mentiria se dissesse que não nos causam emoção. Impõe-se pelo número e suavidade de tonalidades num tempo que parece muito mais longo do que, na realidade, é. Daí, reside o fascínio que, ainda assim, sob várias perspectivas esconde a magia por trás do seu esplendor. Efémeras por natureza, o Rico e eu revisitamos-las, a cada inverno, quando nos deixamos perder por percursos interpretativos verdadeiramente privilegiados. 

Thursday, February 5, 2015

Livre de amor

Estou à espera da noite contigo
livre de amor e ódio
livre
sem o cordão umbilical da morte
livre da morte
estou
à espera
da noite


Luiza Neto Jorge in A noite vertebrada

Tuesday, February 3, 2015

No lugar certo

Subconscientemente, com o passar do tempo, parece haver uma diferente forma de olhar que, nos conduz até uma daquelas viagens capaz de navegar por mares e marés, onde o tempo literalmente pára, apesar de que a vida simplesmente continua. Não surgem palavras, apenas instantes legitimados por pequenas memoráveis referências dando-nos conta que nunca estamos sós. 

Monday, February 2, 2015

O som dos teus passos

Aproximei-me de ti; e tu, pegando-me na mão,
puxaste-me para os teus olhos
transparentes como o fundo do mar para os afogados.
Depois, na rua,
ainda apanhamos o crepúsculo.
As luzes acendiam-se nos autocarros; um ar
diferente inundava a cidade. Sentei-me
nos degraus do cais, em silêncio.
Lembro-me do som dos teus passos,
uma respiração apressada, ou um princípio de lágrimas,
e a tua figura luminosa atravessando a praça
até desaparecer. Ainda ali fiquei algum tempo, isto é,
o tempo suficiente para me aperceber de que, sem estares ali,
continuavas ao meu lado. E ainda hoje me acompanha
essa doente sensação que me deixaste como amada
recordação.


Nuno Júdice in A Partilha dos Mitos

Sunday, February 1, 2015

Estado melancólico


Saturday, January 31, 2015

Os ritmos da noite




A criatividade e o improviso em evidência numa Jam Session de partilha de novas experiências por quem sente a paixão pela música.

Friday, January 30, 2015

Amar

Cozinhar é uma forma de amar os outros.

Mia Couto

Thursday, January 29, 2015

Mais tranquila

Bastava-lhe fechar os olhos, para que em poucos segundos, de forma implícita, viajasse pela memória até que nada mais restasse. Paixões, momentos fatídicos e implausibilidades, resumidas entre vida e ficção e reinterpretadas com outra subtileza. 

Wednesday, January 28, 2015

Quando a noite se rasga

esperar que voltes é tão inútil como o
sorriso escancarado dos mortos na
necrologia do jornais

e no entanto    de cada vez que
a noite se rasga em barulhos no elevador e
um telefone se debruça de um sexto andar

sinto que ainda ficou uma palavra minha
esquecida na tua boca

e que vais voltar
para
a
devolver


Alice Vieira in Os armários da noite

Tuesday, January 27, 2015

Às vezes

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
e eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis. 

Eugénio de Andrade

Monday, January 26, 2015

A anti austeridade

Entre o medo e a esperança, quando já nada havia a perder, qualquer que fosse a mudança reaproximaria o cidadão da política. E, a partir da sua área de protesto, toda a população que teria atingido o limite, eis que se levanta quebrando quaisquer tradições de rotatividade eleitoral. A partir daí nada seria como dantes. O medo que o medo acabasse passava à história, assim como o problema contabilístico convertido em moral. O mundo solidarizava-se e, expectante, aguardava que a coragem popular fosse suficiente para trazer uma nova esperança.

Sunday, January 25, 2015

A posteriori


Saturday, January 24, 2015

Media Luna







A fusão de Flamenco com música árabe, num espectáculo com lotação esgotada tão admirável quanto surpreendente.