Monday, March 31, 2014

Mão de mestre

Lentamente, a Primavera interrompe-nos a sequência dos dias para, numa leitura mais atenta, tudo nos contar sobre a exuberância das cores, e o deslumbrante efeito visual. Cheia de vitalidade solta-nos a sua poesia alcançando o estatuto de obra-prima.

Sunday, March 30, 2014

Caminham

caminham sobre a
terra rápida, e quando
morrem são anjos em
eterna muda de penas, feitas
só pássaros sem bico, engolidas
por grande morte depois de
tão pequena vida, assistem
ao céu, pasmadas numa
lentidão eterna

 valter hugo mãe in a cobrição das filhas – quasi 2001

Saturday, March 29, 2014

Friday, March 28, 2014

Viva!

Que me importa
que  mundo não tenha sentido
se por aquela porta
entra o bafo comovido
desta luz macia
que em flores se gera.

Viva a anarquia
da primavera!


josé gomes ferreira 

Thursday, March 27, 2014

Em cena

Em gestos repetitivos, uns intérpretes vão sendo substituídos por outros. Há espaços montados, palcos, ou qualquer que seja o enquadramento, o real é ultrapassado pela encenação do dia-a-dia. Todos vagueamos, desarticulados, por aí. Há gente com indizíveis realidades completamente encobertas. As imagens, não são, muitas vezes, suficientemente definidas e a necessidade de uma certa afinação paira sempre no ar. Quando o teatro acabar, não é só ele que morre, mas cada um de nós, parte do mundo à sua volta.

Wednesday, March 26, 2014

Instantes

Nem sei como me interessa
o que resplandece nos instantes
as impressões difíceis que nos arrastam
as palavras que leio no escuro

Se um amor passa por nós
tão perto já de perder-se

 José Tolentino Mendonça in De Igual Para Igual - Assírio & Alvim 

Tuesday, March 25, 2014

Enquanto espero

Enquanto penetrantemente te espero a luz coalhou. Os pássaros
coalharam enquanto te espero. O leite enquanto te espero coalhou. Haverá
outro verbo?
Submersa, muito distante de qualquer inferno de um paraíso qualquer existo
eu. Existirão tais palavras?

Luiza Neto Jorge in Difícil Poema de Amor – Poesia - Assírio & Alvim - 2ª edição - 2001

Monday, March 24, 2014

Não me lembro

A reflexão inicia-se com um pequeno nada. A melodia que trauteamos (sem saber por quê), a subtileza dum toque, um vago aroma, ou, simplesmente, da necessidade de lembrar. Por vezes, há determinados episódios que requerem uma pesquisa da mente mais elaborada, tal como quando tentamos encontrar um objecto perdido e não o conseguimos localizar. De vez em quando, surgem uns lampejos, no encadeamento das lembranças que ainda sobrevivem quando a evocação é feliz. No espaço vazio, há coisas que escapam, ou nada acrescentam.  Na contagem do tempo que já lá vai, é impossível ir mais longe, quando o amor é volátil e parece evaporar. 

Sunday, March 23, 2014

Proeza artística


Saturday, March 22, 2014

O melhor que podia acontecer

Tudo decorre de forma cíclica. Em busca de novos indicadores, muito ao de leve, finco os pés bem na terra, e percorro, apenas com o olhar, um horizonte vasto, onde o ar é fresco e doce, e na transparência da luz, defino as novidades da estação, ao ritmo da recém-chegada Primavera.

Friday, March 21, 2014

Vem do rio

Vem dos lados do rio, as mãos fresquíssimas, algumas gotas de água ainda nos cabelos.
Com a manhã chega o anónimo respirar do mundo. Um cheiro a pão fresco invade o pátio todo.
Vem dos lados do rio: para levar à boca, ou ao poema.

Eugénio de Andrade

Thursday, March 20, 2014

O caminho

Estas árvores balouçam na sua hesitação
Mas prosseguem. Os ramos mais altos precipitam-se,
Abrem no ar pousadas. Os mais baixos ocupam. Sol não
Falta. Há apenas a curva do caminho com incidências
Drásticas na sua respiração. Sim, há ainda as concorrentes,
As sementes ininterruptas, e o incompreensível desprezo
Dos humanos. Parascreve não diz. Se o cortarem, não
Reagirá. «Por que não entendeis a leveza de prosseguir?»


maria gabriela Llansol in o começo de um livro é precioso - assírio & alvim

Tuesday, March 18, 2014

Celebrar a vida

A dada altura, uma leve pancadinha na porta avisa-me que é hora de acordar. Preparo-lhe o pequeno-almoço, e em breve ambos atravessamos os campos, saboreando momento a momento, muito devagar. Pela frente, caminhos e trilhos que não nos conduzem a parte alguma, desvendam, de forma serena e sem interferências um lado de encantamento onde tanto há a apreciar. Juntos, deixamo-nos cativar pela paisagem, e descobrimos a Primavera, quando o tempo e a memória se impõem ao próprio instante.

Monday, March 17, 2014

Ser ímpar

 até cada objecto se encher de luz e ser apanhado
 por todos os lados hábeis, e ser ímpar,
 ser escolhido,
 e lampejando do ar à volta,
 na ordem do mundo aquela fracção real dos dedos  juntos
 como para escrever cada palavra:
 pegar ao alto numa coisa em estado de milagre: seja:
 um copo de água,
 tudo pronto para que a luz estremeça:
 o terror da beleza, isso, o terror da beleza  delicadíssima
 tão súbito e implacável na vida administrativa

 Herberto Helder, in «Servidões», Assírio & Alvim, 2013


Sunday, March 16, 2014

O insólito

No Reino de Copas, tirando alguma maluquice, tudo corria normalmente.
Um dia, porém, um soldado roubou uma fatia de bolo da Rainha. Foi preso para ser julgado e condenado. E Alice, mesmo sem saber do sucedido, foi convocada para testemunhar.

Estava para se iniciar o julgamento, quando algo muito estranho aconteceu. Alice começou a crescer, a crescer... e ficou muito alta, com mais de não sei quantos metros de altura, quando os soldados começaram a correr atrás dela para a expulsar do Reino como mandava a lei.

Lewis Carroll in Alice no País das Maravilhas

Saturday, March 15, 2014

Projecção luminosa


Friday, March 14, 2014

A entrega


Ao cair da tarde, a descrença tornara-se parte do seu quotidiano. Porém, ciente do seu poder de atracção e da delicadeza do seu traço, permitiu-se acreditar que, apesar do período menos brilhante, viria a ser bem-sucedida. Não tinha qualquer dúvida que acabaria por resistir ao momento mais sombrio da sua vida pela via da sedução. E, na sua teatralidade, encontraria a subtileza suficiente para um final airoso. Era uma questão de precaução. Bastava deixar que a noite a abraçasse presa àquele instante.

Thursday, March 13, 2014

A noite

Eu amo a noite, porque na luz fugida as silhuetas indecisas das mulheres são como as silhuetas indecisas das mulheres que vivem em meus sonhos.

Almada Negreiros in Frisos - Revista Orpheu nº1

Wednesday, March 12, 2014

Um olhar

É muito bela esta mulher desconhecida
que me olha longamente
e repetidas vezes se interessa
pelo meu nome

eu não sei
mas nos curtos instantes de uma manhã
ela percorreu ásperas florestas
estações mais longas que as nossas
a imposição temível do que
desaparece

e se pergunta tantas vezes o meu nome
é porque no corpo que pensa
aquela luta arcaica, desmedida se cravou:
um esquecimento magnífico
repara a ferida irreparável
do doce amor

José Tolentino Mendonça in A Noite Abre Meus Olhos - Assírio & Alvim, 2006


Tuesday, March 11, 2014

Questão

Desfolhar uma rosa
é poesia
ou prosa?

Cruzeiro Seixas

Monday, March 10, 2014

Experiência directa

Há cerca de um ano, uma inesperada cirurgia afastou-me do meu companheiro de eleição, quando tive de recorrer a ajuda profissional. Foi nessa altura que, a Virgínia me foi recomendada, para na minha ausência ficar a olhar pelo Rico. Dessa colaboração merece especial evidência a empatia, praticamente imediata, entre ambos. A sua proximidade com cães exige dela uma grande firmeza, disciplina e muita dinâmica, revelando-se numa cumplicidade que, sem dúvida, marca a diferença quando a distância se torna irredutível e a importância da integração e bem-estar dos nossos animais de estimação nos proporciona uma paz de espírito, imprescindível, no meu caso pessoal, para uma adequada recuperação da saúde. Além de admirar o seu trabalho, o espaço que dirige, assegura protecção e segurança, em harmonia com a natureza envolvente, satisfazendo todas as necessidades dos nossos melhores amigos. Se, voltar a precisar, não hesitarei onde deixar o Rico porque confio, totalmente, na sua intuição e eficiência.

Sunday, March 9, 2014

Ao domingo

O sol adormece nos telhados ao domingo

Mª. Rosário Pedreira

Saturday, March 8, 2014

Celebração






A nossa amiga Lurdes festejou mais um aniversário,que coincide com o Dia Mundial da Mulher, reunindo os amigos mais próximos, num almoço vegetariano e saudável, no restaurante Eurásia. Que este dia se venha a repetir por muitos e longos anos.

Friday, March 7, 2014

Desejos íntimos


Thursday, March 6, 2014

Trajecto

Vou. Por vezes um pouco cegamente estendendo a mão para a folha em branco. É o meu percurso, o meu trajecto máximo que retomo e retomo. Mas nada preenche o vazio essencial que a escrita revela.

Ana Hatherly

Wednesday, March 5, 2014

Reflexos

Senti que tu querias falar comigo, na verdade e verdadeiramente; que, à falta de companheiros contemporâneos, tinhas vindo até à beira da minha cama reflectida na água; também estavas reflectido no teu livro como se a tua boca lesse o que escrevias. Senti então amor por ti, mais e menos que paixão, uma espécie de modificação dos sentimentos do amor. Tu ajudavas-me a escrever, eu era uma das tuas necessidades mais amadas.



Maria Gabriela Llansol

Tuesday, March 4, 2014

Entre sons e cores



A alegria das gentes que, habitam as cidades de todo o país, brilhou, uma vez mais, quando, por estes dias, os nossos olhares se detiveram, sem nos afastarmos dos grandes centros urbanos, para um espectáculo absolutamente mágico! Neste Carnaval, tal como em tantos outros, foi em percurso lento que ninguém deixou de acrescentar um simples passo ou movimento de samba, na mais longa coreografia que, a paixão por esta festividade suscita!

Monday, March 3, 2014

As planas constelações de espelhos

O espelho é uma chama cortada, um astro.
E há uma criança perpétua, por dentro, quando se vive em recintos
cheios de ar alumiado. De fora, arremessam-se
               às janelas
as ressacas vivas dos parques. Ela toca o nó
               do espelho de onde salta
uma braçada de luz. Cada lenço que ata,
               a própria seda do lenço
o desata. E o rosto que jorra do espelho
               volta aos centros
               arteriais.


Todos os anos fundos, essa extensa criança
sente brotar da terra como árvores
               do petróleo
a peste bubónica, fina na temperatura, alastrada nos bordados
das paredes ou nas crateras da cama. Os lençóis
               nascem do linho que trepida
no abismo da terra, das sementes abraçadas pelas ramas
               das nebulosas.


É perfeito o espelho quando apanha
               um rosto nuclear.
Morre-se muito mais em cada doença, nesses
apartamentos que as noites sufocam
               nos braços de mármore.
               A energia das jóias.
O nó do sexo no espelho, as chamas agarradas
               entre o umbigo e o ânus.
Esse trabalho da claridade quando as válvulas
               se destapam


Correntes atómicas passam de lado a lado.
E ficam os buracos furiosos por onde o mundo
               sopra
               um meteoro a jacto, uma cara.
Os jardins deslocam-se através de si próprios
               com as centelhas, defronte
das planas constelações dos espelhos.


E então, na assimetria severa, ela amaria
               transformar-se,
súbita e solar  -  equinocialmente no espelho o relâmpago
               côncavo do girassol
espacial.  Que sai assim do corpo: os filões arrancados
               desse mesmo espelho.
E ela imagina na teia de fogo a argila que se transmuda
em porcelana: a curva labareda de uma chávena
               expelida dos fornos.
E entre guardanapos, da mesa à boca,
arde em seu anel de estrelas metalúrgicas
               a colher em órbita
               -   a assombrosa força terrestre da chávena.
E a infância desaparece nas funduras das casas,
               com os electrões fechados.



herberto helder in POESIA TODA - ASSÍRIO & ALVIM  1990

Sunday, March 2, 2014

O caos

Quase me esqueci que tenho que crescer novamente! Deixa-me ver - como é que se faz isso? Eu acho que deveria comer ou beber alguma coisa, mas a grande questão é "o quê?"
E Alice olhou ao seu redor para as flores e a relva mas não viu nada que parecesse a coisa certa para comer ou beber naquela precisa circunstância. Porém, havia um grande cogumelo perto dela, quase da mesma altura de Alice e, ao observá-lo de todos os lados, avistou uma enorme lagarta azul, sentada, a fumar, em cima da planta.
A Lagarta e Alice olharam-se por algum tempo em silêncio, e por fim, a Lagarta dirigiu-se à menina com uma voz lânguida e sonolenta.
"Quem és tu?", perguntou a Lagarta.
Alice retorquiu-lhe timidamente: "Eu - eu não sei muito bem, no momento presente - pelo menos eu sabia quem eu era quando me levantei esta manhã, mas acho que, desde então, mudei demasiadas vezes.
"O que queres dizer com isso? perguntou a Lagarta ."Explica-te!"
"Eu não sei explicar ", respondeu Alice, "porque eu não sou eu mesma, vê?"
"Eu não vejo nada", retomou a Lagarta.

Eu própria não consigo entender, ter tantos tamanhos diferentes num só dia, acaba por se tornar muito confuso."

Lewis Carroll in Alice no País das Maravilhas

Saturday, March 1, 2014

Amplitude expressiva