Monday, June 30, 2014

Quem és? Perguntei ao desejo.
Respondeu: lava.
Depois pó.
Depois nada.


Hilda Hilst

Saturday, June 28, 2014

Friday, June 27, 2014

A sul

Um toque leve,
e eu perder-me-ei
 pelas planícies todas do azul,
pelos campos mais longos
que quiseres,
em direcção a leste, a norte,
a sul

Um toque tão macio de rouxinol
que a tortura se apague,
um nome se incendeie
junto ao chão
e expluda com a tarde

Desliza-me na pele
o fio incandescente dos teus dedos,
que eu entrarei de frente
pelo sol,
e arderei no sol,
sem medo


Ana Luísa Amaral

Thursday, June 26, 2014

Desafio aos sentidos





No outro dia, fui lá, ao parque natural de Monchique, onde os olhos se perdem na dimensão da distância, em frente à infinita serra que, misteriosamente, ainda ecoa.

Wednesday, June 25, 2014

Grande confusão

Levada pela intuição, Alice chega a casa da Lebre de Março e vê a Lebre e o Chapeleiro Maluco a tomar chá ao ar livre. Senta-se à mesa com os dois.
- Mais vinho, Chapeleiro? – Perguntou a Lebre.
- Oh! Sim, por favor, um pouco mais de leite sem manteiga com pão - responde-lhe ele.
Assustada, e sem perceber nada, Alice sai dali disparada.

Lewis Carroll in Alice no País das Maravilhas


Tuesday, June 24, 2014

Querer-te

Esperar ou vir esperar querer ou vir querer-te vou perdendo a noção desta subtileza. Aqui chegado até eu venho ver se me apareço e o fato com que virei preocupa-me, pois chove miudinho
Muita vez
vim esperar-te e não houve chegada
De outras, esperei-me eu e não apareci
embora bem procurado entre os mais que passavam.
Se algum de nós vier hoje é já bastante
como comboio e como subtileza

Que dê o nome e espere. Talvez apareça.

Mário Cesariny

Monday, June 23, 2014

A procura


O que buscamos
uns nos outros
é sempre a noite



José Tolentino Mendonça in A Papoila e o Monge - Lisboa, Assírio & Alvim 2013

Sunday, June 22, 2014

Postura estática


Saturday, June 21, 2014

Golpe do destino

Sem receita e sem liquidez a percepção dela era negativa. A retirada de direitos, a precariedade e a incerteza eram consequências da punição a que tinham sido submetidos, e ela não era excepção. O medo de nada ter e a dor do abandono faziam parte do desencanto e faziam-na questionar se seria possível alcançar, a curto prazo, alguma dimensão, ou repor objectivos que lhe trouxessem a esperança perdida. 

Friday, June 20, 2014

Ponte fora

Caminhas quase sem te moveres
os campos estendem um corpo

colado ao teu
em íntima escuridão
Quando avanças ponte fora
um dos teus ombros brilha como marfim

Nós não os ouvimos
mas os desertos, os oceanos, os cimos remotos
ensinam-te finalmente o que não entendes

Descobres uma casa
noutras direcções
a igual distância
da vida que deixamos para trás

José Tolentino Mendonça in "O Viajante Sem Sono", Assírio & Alvim, Lisboa, 2009

Thursday, June 19, 2014

A degradação

Aos olhos deles, eles não tinham capacidade de ver para além do que estava à vista, quanto mais governar. E, pior ainda era não haver quem se perfilasse como alternativa. Não passavam de uns lacaios. A postura era submissa perante a hegemonia de um só país, e cada vez mais tentavam salvar-se em vez de os libertarem a todos. Na mão dos credores e sem respostas políticas, bem que eles podiam esperar sentados.

Wednesday, June 18, 2014

Recordações

O que a memória amou fica eterno

Adélia Prado

Tuesday, June 17, 2014

Precipícios


Ontem antes de ontem antes de amanhã antes de hoje antes deste
número-tempo deste número-espaço uma boca feita de lábios alheios beijou.
      Precipício aberto: ele nada revela que tu já não saibas.
      Porque este contágio de precipícios foste tu que mo comunicaste
maléfico como um pássaro sem bico. 

Luiza Neto Jorge in Difícil Poema de Amor – Poesia - Assírio & Alvim - 2ª edição - 2001

Monday, June 16, 2014

Presenças ágeis


Friday, June 13, 2014

Santo popular

Ó meu rico Santo António
És um santo popular
Na tua festa não falta
Sardinha para assar.

Santo António, Santo António
Que bonito que tu és
Vou-te comprar um manjerico
E vou pô-lo a teus pés.

Há festa em Portugal
São os santos populares
Da sardinha ao manjerico
Os cheiros andam pelos ares.

Em Junho todos bailam
Assim é a tradição
As ruas estão enfeitadas
Lá de cima até ao chão

De manjerico na mão
Uma quadra a namorar
E com arquinho e balão
Vamos todos a bailar.

Ó meu rico Santo António
Tu estás muito calado
Quando estás à minha beira
Fico todo envergonhado.

A treze temos Santo António
A vinte e quatro São João
A vinte e nove São Pedro
E recebemo-los com uma grande emoção.


quadras populares

Thursday, June 12, 2014

Sem conto


Fiquei louco, fiquei tonto,
Meus beijos foram sem conto,
Apertei-a contra mim,
Enlacei-a nos meus braços,
Embriaguei-me de abraços,
Fiquei louco e foi assim.


Fernando Pessoa in Cartas para Ophélia

Wednesday, June 11, 2014

A nova Primavera

No teu amor por mim há uma rua que começa
Nem árvores nem casas existiam
antes que tu tivesses palavras
e todo eu fosse um coração para elas
Invento-te e o céu azula-se sobre esta
triste condição de ter de receber
dos choupos onde cantam
os impossíveis pássaros
a nova primavera
Tocam sinos e levantam voo
todos os cuidados
Ó meu amor nem minha mãe
tinha assim um regaço
como este dia tem
E eu chego e sento-me ao lado
da primavera


Ruy Belo in Aquele Grande Rio Eufrates

Tuesday, June 10, 2014

Quando as saias rodam





Ao som do acordeão e do telintar de ferrinhos o ritmo é ligeiro e apressado. Sete passos para a frente, seguidos de três para a direita e mais três para a esquerda, até ir de roda num impulso. Assim se perde o fôlego, no Algarve, e se mantém a tradição.

Monday, June 9, 2014

Revelação

Sempre que penso em ti estás a dançar levemente num clima de canela despenteada, ó aroma vagaroso, desordem aérea, mas a memória tem pressa, o sangue tem pressa interna, e antes de pensar tremo, e depois tremo, pelo meio desenvolve-se o pavor de uma beleza maiúscula, o coração corre entre iluminuras rápidas, é uma criança sucessiva nas pautas da musica, assim escrevo uma nação simultânea, desapareces na respiração do teu vestido, entretanto a revelação anuncia-se pelo medo, curvas-te como as aldeias devoradas pela lua, mais tarde sempre que penso em ti estás com um lenço escrito nas duas mãos, e a tua velocidade abranda junto aos espelhos, expandes-te assim lentamente gravada, és uma floresta de silêncios visíveis, sempre que penso penso sempre ao contrário do fim, estás cada vez mais no princípio de ti mesma, então vejo que nesse lugar é o meu começo eterno, quando danças é um corpo rodeando a brancura rodeada ou de novo qualquer coisa criminal entre o cuidado e o espaço, nas linhas puras da solidão arde a cabeça, arde o vento, atrás de ti as imagens assassinas da noite - estrelas: subversão da noite, sempre que penso em ti danço até à ressurreição do tempo.


Herberto Helder in Vocação Animal - Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1971

Sunday, June 8, 2014

Presença física


Saturday, June 7, 2014

Como vencer o stress





As tensões não são causadas pelas pessoas, eventos, pressões ou ambientes, mas pela forma como respondemos a tudo isso. Para uma vida livre de tensão precisamos entender que não podemos controlar os outros. A única coisa que podemos controlar são os nossos pensamentos, as emoções e o comportamento. Isso irá ajudar-nos a aceitar as pessoas e as situações como elas são e assim iremos parar de resistir ou controlá-las. Esse entendimento fará com que nossa atenção vá para onde a mudança realmente precisa acontecer – dentro de nós. Quando prestamos atenção no nosso crescimento pessoal e nos alimentamos com pensamentos positivos, sabedoria espiritual e meditação tornamo-nos fortes o suficiente para enfrentar situações adversas com calma e sentimentos positivos.

Purity Bureau, Tension free life, Purity, New Delhi, January 2012

Friday, June 6, 2014

Em tempo real

Observando com mais nitidez que nunca, pensava ir descobrir, no lado errado, uma nova esperança expressiva. Cansada da realidade, entrega-se à ilusão à procura de espantar as angústias que tanto a atormentavam. Porém, o espaço imediato nunca é o que julgávamos ser, em contraste com a intensidade do imaginário em todo o seu ambivalente esplendor. Provavelmente, não era só o que não esperava, também não era aquilo que lhe agradava.

Thursday, June 5, 2014

A mise en scène

Na verdade, um simples encontro para um chá pode ser visto como uma atitude social ou subentendido como uma reunião irrelevante ao mesmo tempo que tão cheia de significados. Entre um gole e outro, há ainda, um desfiar de segredos e queixumes, algumas confissões e breves relatos de pequenas histórias do dia-a-dia, nem todas com um final feliz. À partida, não só, uma a uma se vão esvaziando as chávenas, mas se vão revelando fraquezas e incertezas, e frequentemente a disseminação de uma certa culpa.

Wednesday, June 4, 2014

Como se fosses outra

Há uma música mas não a ouço. Debruço-me sobre o som do mar.
Depois sobre o teu sono, como se fosses outra.


Casimiro de Brito

Tuesday, June 3, 2014

A borboleta

A borboleta pousada
Ou é Deus
Ou é nada.


Adélia Prado in Artefato nipônico

Monday, June 2, 2014

Memórias

 De que são feitos os dias?
 De pequenos desejos,
 vagarosas saudades,
 silenciosas lembranças


Cecília Meireles

Sunday, June 1, 2014

A dado passo