Tuesday, March 31, 2015
Monday, March 30, 2015
Círculo de pétalas
Apagaram-se as luzes. É a primavera
cercada
pelas vozes.
Enquanto dorme o leite, a minha casa
pousa no silêncio e arde pouco a pouco.
No círculo de pétalas veementes cai a
cabeça -
e as palavras nascem.
-
Límpidas, amargas.
Herberto Helder
Sunday, March 29, 2015
Saturday, March 28, 2015
Uma tarde mágica
Cinderela com encenação de Tiago da Cruz, direcção musical de Josina Filipe e direcção artística de Miguel Ruivo Duarte interpretada pelos actores/cantores Carina Leitão, Carlos Gonçalves, Liliana Pereira, Inês Morais e Fábio Leitão.
Thursday, March 26, 2015
Silêncio
Deixei de ouvir-te. E sei que sou
mais triste com o teu silêncio.
Preferia pensar que só adormeceste; mas
se encostar ao teu pulso o meu ouvido
não escutarei senão a minha dor.
Deus precisou de ti, bem sei. E
não vejo como censurá-lo
ou perdoar-lhe
Maria do Rosário Pedreira
Wednesday, March 25, 2015
A imensidão
Nos
seus longos versos, existe um constante descer e subir de degraus que se
reflecte num movimento de corpos. A paisagem é inclinada com luas que, nascem
de fecundos campos, onde a sombra canta baixo, o mosto é aberto e o encanto
liga a ave ao trevo. Há picos e crateras entre o começo e o fim do mundo que, nos
seduzem a entrar na leitura em estado de pura assombração. A mãe que, perde aos
7 anos de idade, é uma referência permanente e representa o feminino em alusões
absolutamente magistrais. De imaginação fértil e atormentada, a poesia de
Herberto Helder que, nos deixou esta semana, é intensa, exuberante, vertiginosa
e eterna.
E as aves morrem para nós, os luminosos cálices
das núvens florescem, a resina tinge
a estrela, o aroma distancia o barro vermelho da manhã.
E estás em mim como a flor na ideia
e o livro no espaço triste.
[...]
Herberto Helder in O Amor em Visita - Lisboa: Contraponto,
1958
Tuesday, March 24, 2015
O génio
A poesia de Herberto Helder é
algo que nos transcende. Apesar das suas palavras se caracterizarem pela
obscuridade, há todo um encadeamento, uma musicalidade, um ritmo e um erotismo
na linguagem que, me deslumbram por completo. Não pode haver nada maior. Os
seus livros tiveram edição limitada, e a quem não leu nunca nada, recomendo que
o faça, mas em viva voz. Até o meu rottweiler Rico sabe metade deles de cor! A
notícia da sua morte deixou-me tão abalada que esta tarde dirigi-me à
biblioteca local para trazer um dos seus livros para casa e reler. Como me
pareceu que tivessem mudado de lugar, solicitei a ajuda de um funcionário que
me disse logo desconhecer a personagem e que, a poesia nada lhe dizia!?
Desculpem, mas quando é que este país de pantanas se vai alguma vez virar? Compreendo
que nem todos podemos ter a mesma sensibilidade, que os ordenados são
miseráveis, mas confesso que estranhei uma pessoa trabalhar numa biblioteca sem
se interessar pelo seu conteúdo!? E, então tentei «converter» o jovem, e quase
o obriguei a jurar-me que uma vez em casa iria ao youtube procurar Herberto
Helder, e prometi-lhe que seria impossível que não viesse a sentir qualquer
coisa. Um abalo, um calafrio, uma pedrada ou o que lhe quiserem chamar.
Monday, March 23, 2015
O último alinhamento
Aparentemente, o desencanto ia-se,
gradualmente, instalando nos seus dias. Se tivermos em conta as suas múltiplas
áreas de acção, tornava-se necessário um volte-face que, lhe evitasse o desfazer
de uma vida. Fugir das imagens do quotidiano como se, explorasse outros
caminhos, parecia-lhe a alternativa certa na incessante procura da viragem. Chegara,
finalmente, o momento, que a sobreporia a todas as vicissitudes.
Sunday, March 22, 2015
Os seres cativos
22 de março - o meu carrasco é o anjo de uma outra pessoa; o
uso continuado de dildos numa sociedade resulta em impostos acrescidos; london
bridge is falling down…; somos sempre alguém que nos desconhece; os
supermercados tornaram-se em espectáculos degradantes; o borda d’água sabe
tudo, só não sabe de desertos; mãe significa lugar geométrico; continuamos nos
23% de iva; não há relação perfeita entre seres cativos; os alentejanos são
sensatos: substituem os filhos da puta por filhos de um cabrão; se mais alguém
me volta a dizer que faço poesia parto-lhe as ventas; cortar as unhas; os
quintais estão cheios de velhas a olharem para o meu quarto; nos seres
ambivalentes tudo se mistura; pim-pam-pum, cada bala mata um (ensinavam isto às
criancinhas deste país; mas os ingleses têm uma educação terrorista pior –
incentivam à destruição das pontes); as escadas de Jacob: era nessas escadas de
pedra que as almas errantes procuravam esse algo onde fosse possível poisar as
mãos e dizer: é isto; apanhar as framboesas maduras; trago nos braços as pernas
todas partidas.
Luisa Monteiro in facebook 22.03.2015
Saturday, March 21, 2015
Depois do inverno
Depois do Inverno,
morte figurada,
A primavera,
uma assunção de flores.
A vida
Renascida
E celebrada
Num festival de pétalas e cores.
Miguel Torgana maior solidão,
sem a tua presença verdadeira,
e eu vejo no teu rosto o teu desgosto,
e um ramo de flores, que não existe, cheira!
sem a tua presença verdadeira,
e eu vejo no teu rosto o teu desgosto,
e um ramo de flores, que não existe, cheira!
Thursday, March 19, 2015
Enquadramento
Uma saudação especial a
todos os pais, responsáveis por cada uma das nossas vidas, neste dia que, lhes
é dedicado. Aos que tudo deram de si, num percurso longo, inesgotável e em
constante mutação, e àqueles que deveriam, e não poderiam, estar ausentes e que,
por qualquer razão, se desarticularam e afastaram para além do razoável, sem
nunca descobrirem o seu papel.
Wednesday, March 18, 2015
Tuesday, March 17, 2015
Presença
Nada era assim tão importante. Pelo menos para ela
cuja presença era insanamente sensual. Sem quaisquer barreiras físicas, bastava-lhe
um breve piscar de olho para com o seu ar expressionista se lançar e afirmar.
Monday, March 16, 2015
Sunday, March 15, 2015
Friday, March 13, 2015
Final da semana
Em concreto, depois do desconforto do dia, optou por se imobilizar. Inarticulada,
e com a vida mergulhada lá dentro, em silêncio, permitiu-se reanimar a
esperança.
Thursday, March 12, 2015
Outra vez à nossa porta
Março voltou, esta
ácida loucura de pássaros
está outra vez à nossa porta,
o ar
de vidro vai direito ao coração.
Também elas cantam, as montanhas:
somente nenhum de nós
as ouve, distraídos
com o monótono silabar do vento
ou doutros peregrinos.
Já sabeis como temos ainda restos
de pudor.
e pelo mundo
uma enorme, enorme indiferença.
Eugénio de Andrade
Wednesday, March 11, 2015
À deriva
Tudo fazia supor que se tratava de uma transição. O
ritmo, ditado pela natureza, acabaria por transformar a realidade em volta.
Bastava um subtil pormenor, por mais pequeno que fosse, para dar início a uma
cadeia de acções que, acabariam por tudo transformar. Nesse sentido, a
celebração da luz, as matizes e a energia, permitia-nos desenhar, a cada
momento, uma nova perspectiva.
Monday, March 9, 2015
O mês das musas
Eu teria amado esse
destino imóvel, esse frio
poço de canções.
Contudo, ela não dormia, estava partida
a meu lado, era uma
gruta onde a música
um instante se torna
infinita.
Durante um mês viveu em
mim, e não dormia. Foi o mês
das musas, a penumbra
da sua vida
estava coberta de ervas
puras.
Ela não dormia (como
dizer que era assim?). Durante
o espantoso mês das
musas, eu despertava como um espelho
onde as brasas da
cabeça principiaram a girar.
Estava iluminada por
dentro, e a noite ia e vinha
sobre os arcos e os
tanques da sua testa.
Eu cantava junto a esse
sonâmbulo instrumento,
eu era infeliz e
fecundo, o sangue
passava pelos arbustos
do corpo e os pensamentos
ardiam, em mim, nessa
monstruosa
noite da criação.
Sinto que tocaria esse
intenso violino, e a vida
mudaria, as grandes
estações do ano passariam devagar
na minha confusão. Eu
era um homem
e tinha na boca o
profundo ofício de sorrir
o fluxo encantado e
irónico
das mensagens. E tinha
as palavras de piedade que um homem
tem para acender, como
fogueiras,
nas margens cantantes e
frias das águas
do mundo.
Vejo a minha vida
agitada, as pequenas faúlhas
do rosto, a minha
piedade e desgraça
de homem,
debruçados sobre esse
objecto misterioso e triste,
e poderoso e vazio
como uma guitarra, como
uma coluna de obscuridade
que dormia, que não
podia jamais dormir
entre uma onda que vem
do céu e da terra, e uma noite
que iria e viria sobre
a paisagem
de arcos e pontes e
torres e poços tenebrosos
e ocos.
Às vezes eu levantava
um braço que deixava arder
ou pensava como era
forte
a torrente do meu
silêncio. Pensava
como poderia
desfazer-se a carne sem que eu
gritasse. A minha voz
era esplêndida,
os mortos poderiam
erguer um pouco os seus ombros
submersos na grande ideia
universal, poderiam
ouvir alguma coisa da minha voz
tão límpida de
desgraça, de terrível
alegria.
A meu lado, aquele ser
levitava e por ele
as aves passavam, os
montes atingiam
as corolas celestes,
nunca deixavam de correr
as águas que atravessam
os povos mais puros do mundo.
Era tenebroso e doce
que a loucura me viesse
deste lugar, que fosse
uma árvore a sustentar
a minha juventude.
Chegava um dia em que
ela devia ser impura,
e o meu coração
ressoava. Minha piedade de homem
de novo se inclinava
sobre as formas mudas.
Porque a terra
trabalhava talvez para acender
aquela tenebrosa
cidade, porque ela mesma cantaria então,
humilde e iluminada,
debaixo da noite
rolante, da estupenda noite
inspiradora. Mas somente
para mim
o vento circulava com
seus archotes
rápidos, rápidos;
só a minha cabeça
estremecia contra a almofada
de fogo, e o sangue
despedaçava as portas,
e ao alto os telhados
transparentes incendiavam-se
batidos pelos raios.
Sabia-se agora
como havia razão no
oculto
movimento da fantasia,
como essa força
chegava de nada e era
força no próprio e puro enigma
da minha vida. Porque a
obra era então ―
mais do que o mundo e
as fontes e os leitos
dos poderes ―
eu, o homem mesmo,
disposto sobre si
como a luz se dispõe
sobre a luz,
como as palavras são em
si mesmas dispostas
no renovo das palavras.
Sobre a sombra de um
mês confuso e rápido,
eu era um homem ―
e um homem beija a sua
própria boca.
Sunday, March 8, 2015
Retrato em movimento
À espera dum novo dia, parte
exausta, mas ansiosa por recomeçar. Ainda assim, dá consigo a esboçar um
sorriso, sem resistir a um certo sentimentalismo que paira no ar. Pelo meio há
toda uma complexidade de histórias e registos de amores e desamores que lhe
conferem uma maior autenticidade e lhe trazem de volta à memória quanta ilusão.
Na imensidão dos dias caber-lhe-á a continuidade de reinvenção.
Saturday, March 7, 2015
Friday, March 6, 2015
Thursday, March 5, 2015
Ficaram palavras
Entre o que regressa
e o que partiu um dia
ficaram palavras;
talvez (quem sabe?)
algum sentido.
Agora, como um intruso, subo as
escadas e abro a porta; e entro, vivo,
para fora de alguma coisa morta.
Manuel António Pina
Wednesday, March 4, 2015
Uma experiência do olhar
O arrojo
infantil levava-os a trepar o portão, garantindo-lhes antecipadamente uma outra
leitura. O espaço superior sobrepunha-se ao miniaturizado oferecendo-lhes uma diferente
visão consoante a distância. Suspensos, olhavam em redor, em torno do qual tudo
girava, embora a imaginação fosse inultrapassável.
Tuesday, March 3, 2015
A renovação
Foi assim, quase de um dia para o outro, que a
ruptura se tornou inevitável. A percepção da mudança, pouco a pouco, ia-se
desenvolvendo remetendo-nos para um total renascimento. Desafiante e apaixonada,
a Primavera pairava lá alto, no ar, confirmando-nos o adquirido.
Monday, March 2, 2015
A minha vida
Tenho uma paixão por tudo o que me foge
porque o que me foge
me provoca. E porque tudo
o que me provoca me
entusiasma. E o que me entusiasma
exige o meu amor, a
minha dedicação, a minha vida.
Joaquim Pessoa
Sunday, March 1, 2015
Podia ter sido amor
Talvez houvesse uma flor
Aberta na tua mão.
Podia ter sido amor,
E foi apenas traição.
É tão grande o labirinto
Que vai dar à tua rua...
Ai de mim, quem nem pressinto
A cor dos ombros da Lua!
Talvez houvesse a passagem
De uma estrela no teu rosto.
Era quase uma viagem:
Foi apenas um desgosto.
É tão negro o labirinto
Que vai dar à tua rua
Só o fantasma do instinto
Na cinza do céu flutua
Tens agora a mão fechada;
No rosto, nenhum fulgor.
Não foi nada, não foi nada:
Podia ter sido amor.
David Mourão-Ferreira
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