Wednesday, December 31, 2008

O fim da linha

Na contagem decrescente para o final do ano, vou ser ousada trajando o meu vestido mais sexy. E, por uns instantes tentarei distanciar-me da crise, do conflito em Gaza, de tantas promessas sem concretização, do colapso económico, do sacrifício colectivo que aí vem para nos salvar, ou dos aumentos anunciados para o pão, ou a electricidade. E a cada badalada, e trago de um espumante Chardonnay, de boa estrutura e suave tonalidade, irei imperturbavelmente desdramatizar, concentrando esforços, para que em tempos de depressão, de oportunidade em oportunidade, novos projectos sejam abraçados, e passos alternativos me conduzam a uma outra vitalidade, que possa resultar em plena renovação.
Eu brindo a 2009!



Tuesday, December 30, 2008

Uma questão transparente

Quase no final do ano, e quando a crise é real, e demonstra o quão frágil somos,ganha-se uma certa desconfiança. Apesar das limitações, é urgente engendrar outro desfecho, agora que a nova verdade nos bate à porta. Ao percepcionarmos os outros, e a falta de afectividade, que cada vez menos existe entre nós, que esta tomada de consciência nos desperte a sensibilidade, para que a um outro ritmo, e de uma outra forma, seja possível transformar, reinterpretando o mundo.

Monday, December 29, 2008

Poesia de inverno

Meu coração busca as palavras de estio
Busca o estio prometido nas palavras


Sophia de Mello Breyner Andresen

Saturday, December 27, 2008

Narrativa heróica

Ela é Nicole Kidman, e ele Hugh Jackman, considerado pela revista «People», o actor mais sexy do mundo! Tanto, que irá ser o anfitrião da cerimónia dos Óscares, já em Fevereiro. Eles protagonizam o par romântico de Austrália - um épico que pela sua dimensão faz lembrar os grandes clássicos de outra era, com quase três horas de duração! O filme decorre no período que antecede a segunda guerra mundial, em lugares perdidos do vasto continente australiano, onde não falta romance, drama e aventura, falando-nos do relacionamento dos colonos ingleses com os aborígenes, e da magia da sua fábula mitológica. Eu já fui ver, e recomendo.

Thursday, December 25, 2008

Testemunho da luz

No refazer de experiências, que representam a vida, acolhemos neste dia um novo estímulo, e uma outra alegria. Quando tantas vezes, somos enganados, pelas luzes do mundo, eis que a chama viva nos traz proximidade, e nos abre caminhos de esperança, correspondendo às expectativas das nossas aspirações.
A todos os seus leitores, o Capricho deseja um feliz Natal.

Wednesday, December 24, 2008

Tuesday, December 23, 2008

Chama acesa

Num exercício de memória tentei recuperar outros Natais. O primeiro fora do país teve lugar em Londres nos anos 70, e ainda por cima a trabalhar, mas nessa altura a cidade era um verdadeiro fascínio, e uma porta que se abria para o mundo inteiro. O mais frio aconteceu em Illinois. Tão frio que fazia congelar os canos, sem se conseguir obter uma gota sequer de água corrente! No entanto, recordo-me da beleza dos dias a seguir a nevar, e sobretudo das árvores, que ao sol brilhavam como se fossem de cristal. No estado do Texas também apanhei neve em 76, e em 78 já noutra cidade, passei talvez o Natal mais quente de toda a minha vida!? Houve ainda um outro já na época de 90 na Ilha de Wight repleto de tradições britânicas. Mais recentemente, com os meus filhos crescidos, também celebrámos a maior festa do mundo na Georgia, sob amenas temperaturas. Mas, o que mais me traz à lembrança nesta época do ano, são os familiares mais chegados, que tendo já partido evocamos, e as vozes que ainda guardamos, além dos cheiros e receitas, que ano após ano tento reproduzir, inspirada nos incomparáveis sabores de infância.

Monday, December 22, 2008

Natividade

Aproveitei o fim-de-semana, para num rasgo criativo, por de pé a nossa árvore de Natal. Numa das caixas, que fui buscar ao alto duma prateleira, contendo alguns elementos decorativos, encontrei na tampa, com a minha caligrafia a data de 1984! Nessa altura tinham os meus filhos 5 e 3 anos respectivamente, e a vida era completamente diferente. Aos poucos, fui retirando algumas das decorações de então, que juntei às que adquiri este ano, e noutros ainda, entre a época de 80 e a presente. Para criar um espírito festivo, pus a tocar um cd de Natal, e entre uma bola cor de laranja, um sino em vidro, ou uma meia-lua dourada, que ia pendurando aqui e ali, quase sem dar por isso, fui também cantarolando ao som do Bing Crosby, e das Andrew Sisters. Mantendo a chama da inspiração acesa, em baixo coloquei o presépio, transformando-se num pequeno oratório, que ano após ano me sublima a fé e os sentidos, e me prepara interiormente para receber a luz.

Saturday, December 20, 2008

White Christmas

Friday, December 19, 2008

Despertar

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.


Eugénio de Andrade

Thursday, December 18, 2008

No princípio

Primeiro que tudo houve o Caos e depois
a Terra de peito ingente, suporte inabalável de tudo quanto existe,
e Eros, o mais belo entre os deuses imortais,
que amolece os membros e, no peito de todos os homens e deuses,
domina o espírito e a vontade esclarecida.
Do Caos nasceram o Érebo e a negra Noite e da Noite,
por sua vez, o Éter e o Dia.
A Terra gerou primeiro o Céu constelado,
com o seu tamanho, para que a cobrisse por todo
e fosse para sempre a mansão segura dos deuses bem-aventurados.
Gerou ainda as altas Montanhas, morada aprazível
das deusas Ninfas, que habitam os montes cercados de vales.

Teogonia 116-130 de Hesíodo – Tradução de M.H. da Rochas Pereira, in Hélade 52

Wednesday, December 17, 2008

Livros habitados

Pela celebração do 4º aniversário da Biblioteca Municipal de Albufeira, assisti, ou melhor dizendo, participei com o resto dos espectadores, num espectáculo de entretenimento, de interacção com os actores. Num universo de livros, inventou-se um mundo de bichos, onde sons e palavras se murmuraram, improvisando-se em tom de humor subtil, e de grande dimensão expressiva. Estas criaturas que nos surgem das estantes, e praticamente de todo o redor, na escuridão e silêncio da noite, aos bocadinhos vão devorando tudo quanto é papel, causando total destruição. Esta interpretação do Bicho Papa-Livros, com produção do Teatro Pim, remeteu-me imediatamente para o museu do Instituto Central da Patologia do Livro, que há dois anos visitei em Roma.
A deterioração dos livros através do passar de anos, é muitas vezes acelerada por toda a espécie de factores químicos, quando estes se encontram demasiado expostos à humidade, luz, ou poluição, ou por agentes biológicos como o bolor, ou a infestação de insectos, como no caso. Porém, através dum notável processo de conservação e restauro, estes livros são literalmente salvos, sem prejuízo para a informação que contêm, e com a sua qualidade restabelecida. Uma acção que apesar de morosa se traduz em resultados absolutamente fantásticos. Se for a Itália não deixe de o ir ver, se não puder clique em
http://www.patologialibro.beniculturali.it/

Sunday, December 14, 2008

Reclamando um outro rumo

Quando o peso energético é cada vez mais carregado, e a aceleração do planeta evolutiva, causando muitas das actuais epidemias, convém fazermos algo com as informações que pouco a pouco adquirimos. As ondas magnéticas, as irradiações, a poluição orgânica, e as antenas que proliferam por todo o lado, constituem parte do problema. Se continuarmos a insistir neste processo de destruição, a Natureza continuará a reagir, e na pior das hipóteses a sua ira conduzir-nos-á à explosão final, dando início a uma nova era de sobrevivência, como reacção às nossas irresponsáveis atitudes. Segundo a Nicole, em mais uma das suas conversas, o poder divino só se alcança sem mentira, sem medos, em clima de total desapego, vivendo apenas com o essencial, e em pleno conhecimento.
Trabalhando, observando, sentindo e compreendendo, com a finalidade de evitar estragos, e consequentes futuras catástrofes, é o maior exemplo que podemos dar quer aos inconscientes, como a todos aqueles demasiado amarrados a determinadas filosofias de vida, que os condicionam. Tanto as crianças índigo, como as cristais são seres maravilhosos, muito mais evoluídos, cuja missão (nem sempre bem sucedida) é exactamente auxiliar-nos a descobrir uma nova verdade neste processo de crescimento. O reiki é outra das vias para nos curarmos a nós próprios, limpando-nos das acumulações que ao longo do passado semeámos. Através dele desenvolvemos as nossas capacidades, recebendo outros esclarecimentos, que nos permitem chegar aos outros em equilíbrio.
O poder divino, e o amor incondicional deste novo mundo, onde a energia irá fluir entre todos, só será alcançado quando o crescimento nos levar a outros níveis de consciência, traduzindo-se na harmonia plena.

Saturday, December 13, 2008

A abelha-mestra

Dona do seu próprio estilo, e de um enorme fôlego, ela salta obstáculos, e desenvolve como ninguém uma dinâmica de grupo. O seu espaço alterna entre o tertúliano, e o registo teatral. Em qualquer deles a Zizi congrega energias, e retira e dá prazer, pela sua ousadia e determinação, arriscando até final. Na longa travessia do deserto, onde a ausência de estímulos salta à vista, ela é voz discordante, e colocando as causas acima das tricas, acrescenta, belisca, e sobressaíndo-se exibe todo o seu criativo talento. Esta tarde, num encontro de vontades, em que ela me convidou a estar presente, e eu com o maior prazer acedi ao seu pedido, assisti aos dois teatros, o do «sol e da lua» e suas estrelinhas, e ao da «dança da vida», sem lugar para inocentes, cujos actores entram e saem das personagens criando jogos, em animado folhetim de traições, dum mundo que se reparte entre o imaginário e o real.

Ding dão ding dão dão
Ding dão ding dão dão
Estamos a festejar
ding dão ding dão dão…

Friday, December 12, 2008

Nostalgia da alma

Era meio-dia, e passava a ferro. Subitamente a tarefa é interrompida, para responder ao apelo, que me chegava do outro lado do mundo. Do interior da sua sala, ela desejava mostrar-me a neve, que às 6 da manhã inesperadamente precipitava. Com ambas as web câmaras ligadas emprestou-me o olhar, e da sua janela assistimos juntas à queda leve e singela de pequeninos flocos, que de forma intensa, se foram acumulando, como que por magia. Ainda há dois dias estavam 20 graus, e usava um vestido de alças, continuava ela, e desde a última ocorrência que há notícia, vinte anos passaram!? Porém, logo pela manhã, um manto branco cobria-lhe o horizonte, e servia de pretexto para encurtarmos distâncias, e nos voltarmos a unir. Na apatia dos dias, da estação mais fria do ano, o Natal chegou mais cedo para ambas, num exercício de contemplação conjunta, em genuíno sentimento de partilha entre mãe e filha.

Thursday, December 11, 2008

Harmonia interna


Quando a vida urbana se torna demasiado agitada, é lá que me refugio para libertar emoções, retemperar forças, e aproveitar o momento ao máximo. Agradeço à Célia (aqui retratada na fotografia), e a todo o staff das Piscinas Municipais de Albufeira, os agradáveis instantes, que me reduzem o stress, proporcionando-me uma inimaginável energia ao longo de todo o ano.

Wednesday, December 10, 2008

O deleite da água

Após o interregno dos feriados, e do campeonato mundial de natação de síndrome de down, reiniciei a rotina. Ao chegar, fui surpreendida pela majestosa árvore de natal à entrada, e pela farda dos funcionários, que num ápice, de laranja passou a azul!? O mergulhar na piscina, subitamente alivia-me das tensões, e faz esquecer-me um pouco dos problemas do dia-a-dia. Ao entrar no jacuzzi, alguém que me diz chamar-se Paula cumprimenta-me, e revela-me que uma dor insuportável lhe prende a perna, e que enquanto aguarda pela aula de hidroginástica tem esperança que «aquilo» lhe faça bem. Uma vez só, semi-cerro os olhos deliciada com o movimento e a temperatura da água, e deixo-me deslumbrar pela vista panorâmica, através do envidraçado que vai duma ponta à outra, de toda aquela enorme extensão. Do local onde me encontro vislumbro o topo das bancadas do campo da bola, e junto ao cantinho direito, as hastes superiores das bandeiras, que ao sabor do vento desfraldam. No centro, o meu olhar incide no avançar do casario, que em desenfreada e feroz corrida contra o tempo, engole o verde da paisagem, como se o amanhã não chegasse a existir. Dali entro no turco, onde o ambiente de penumbra e humidade tantas vezes me trouxe inspiração, além da amizade da Marta, que me é tão especial. Ao entrar na sauna, inverto a ampulheta num gesto ritual, que me impede perder-me no tempo. Já nos balneários, uma criancinha sem sotaque, cuja mãe é brasileira, faz uma birra infernal. Mas, após esta revigorante sessão, não há stress, nem nada que me perturbe. Daqui a dois dias estou lá caída outra vez.

Monday, December 8, 2008

Cedências

Oito da noite, numa avenida movimentada. O casal já está atrasado para jantar em casa de amigos. O endereço é novo, bem como o caminho que ela consultou no mapa antes de sair. Ele conduz o carro. Ela orienta e pede para que vire, na próxima rua, à esquerda. Ele tem a certeza de que é à direita. Discutem. Percebendo que além de atrasados, poderão ficar mal-humorados, ela deixa que ele decida. Ele vira à direita e realiza, então, que estava enganado. Embora com dificuldade, admite que insistiu no caminho errado, enquanto faz marcha-atrás. Ela sorri e diz que não há problema se chegarem alguns minutos atrasados. Mas ele ainda quer saber: - Se tinhas tanta certeza de que eu não estava a ir pela rua certa, devias ter insistido um pouco mais... E ela diz: - Entre ter razão e ser feliz, prefiro ser feliz. Estávamos à beira de uma discussão, se eu insistisse mais, teríamos estragado a noite!
MORAL DA HISTÓRIA: Inspirei-me neste facto, que recebi por e-mail, que por sua vez terá sido contado por uma empresária, no Brasil, durante uma palestra sobre simplicidade no mundo do trabalho. Aparentemente, ela terá usado este incidente do dia a dia, para ilustrar quanta energia nós gastamos, apenas para demonstrar que temos razão, independentemente de a termos ou não. Desde que ouvi este episódio, tenho-me questionado com mais frequência: «Quero ser feliz ou ter razão?»

Sunday, December 7, 2008

Ampliar visões

Qual a causa do permanente mau estar, nos dias que correm? Porque há sempre uma saída, e para tudo há solução, fomos ouvi-la em mais uma intervenção, para desvendarmos mistérios, e recolhermos testemunhos, de outro entendimento para o mundo. Viver experiências aprendendo com elas, e reconhecendo-as, passar a agir em plena consciência. E porque nada acontece por acaso, ao criarmos a nossa realidade individual convém acautelarmo-nos com as negatividades e toxinas, que por aí andam, que indesejavelmente nos poderão invadir as células. Se até aqui acreditava na existência do bem e do mal, enganou-se redondamente. Nesta perspectiva o que conta é tão-somente as energias. Neste caso a positiva denominada yin, e em oposição a negativa, à qual chamamos yang, representativas do princípio da dualidade. Ambas são os extremos da mesma energia. E porque estas fluem e até têm cores, fazem-nos vibrar os chacras, verdadeiros espirais de luz. No momento em que o planeta Terra se encontra em acelerada progressão, é preciso ouvir a voz interior, e seguir a nossa própria consciência, em vez de nos deixarmos influenciar pela dos outros. Segundo a Nicole, a aceitação faz parte da prática do crescimento, e a sua expressão máxima traduz-se no ser perfeito, que todos aspiramos um dia abraçar.

Friday, December 5, 2008

Céu de palavras


Era irreverente, poeta e letrista. O seu universo era de esquerda, e com a determinação de protestar, trouxe-nos na época de 70, uma visão anticonvencional da realidade. A palavra sarcasmo é uma rosa rubra/A palavra silêncio é uma rosa chá/Não há céu de palavras que a cidade não cubra/não há rua de sons que a palavra não corra/à procura da sombra de uma luz que não há. Com Nuno Nazareth Fernandes, Fernando Tordo e Paulo de Carvalho realizou parcerias famosas para canções não menos populares na boca de toda a gente, como os temas «Desfolhada» e «Tourada», vencedores dos concursos da canção da RTP. Em 1971, foi atribuído a «Meu Amor, Meu Amor», também da sua autoria, o grande prémio da Canção Discográfica. Meu amor meu amor/meu nó e sofrimento/minha mó de ternura/minha nau de tormento. Este mar não tem cura este céu não tem ar/nós parámos o vento não sabemos nadar/e morremos morremos/devagar devagar. O seu nome foi dado a um largo do Bairro de Alfama, descerrando-se uma lápide evocativa na casa da Rua da Saudade, onde viveu praticamente toda a sua vida. Deixou cerca de 600 textos destinados a canções, e inúmeros poemas que ainda nos dias que correm encontram um longo eco. Pela voz de Afonso Dias, animada de sentimentos humanos, aos quais já nos habituou, mergulhámos no íntimo de Ary dos Santos (1937 – 1984) num caloroso serão, de uma noite fria, na biblioteca municipal. Por mim ainda me sinto a cantarolar: - Parecem bandos de pardais à solta/Os putos, os putos/São como índios, capitães da malta/Os putos, os putos…

Wednesday, December 3, 2008

A janela da Rosinha

Sempre que comunicávamos ela dizia-me fazê-lo da cozinha. Quando o voltava a fazer, insistia novamente, para que não restassem dúvidas. Aliás, toda a sua existência parece girar em cerca dela. Contudo, apenas ontem compreendi porquê. Do ponto elevado onde esta se encontra, há uma rasgada janela debruçada para o mundo, donde dia a dia ela abraça todo o infinito. Dali, observamos a imensidão ofuscada pelo brilho do sol, e perdemos por completo a noção do tempo, que se desenrola lentamente, com variações melancólicas e serenas, de acordo com cada uma das estações. Distante do espartilho da cidade, e de tantas monstruosidades arquitectónicas, a serra de Monchique domina a paisagem, e reserva-nos espaço a sonhar. Mais além, formas abstractas saem da sombra salpicadas de luz, como se nos apontassem caminhos, e nos dissipassem incertezas. Ao lusco-fusco, quando a tarde se desfaz, parto ao som da cantilena dos pássaros, conseguindo imaginar o dia virando noite, e o manto escuro que em breve tudo cobrirá. Da próxima vez que lá for, atenta aos pormenores sem paralelo, na suspensão do tempo tentarei de novo ouvir o sussurrar da natureza, e sem nunca desviar o olhar partir em busca de outros horizontes.

Monday, December 1, 2008

Estilo de interpretação

A encenação da mulher das castanhas tem o seu interesse. Trabalha como num palco, agita o tacho; às vezes sacode-o para que as castanhas saltem, retira algumas com as mãos, queimando os dedos, chamuscando-os. Se alguém o solicita, vende as castanhas: as mãos tornam-se hábeis, esvoaçam para arrancar algumas folhas da lista telefónica, agitam-se para transformá-las num cone e nele embrulha as castanhas, meia-dúzia, uma dúzia, vinte. Quentinhas! Importa que, uma vez ou outra grite
- Quentinhas!
Com a sua voz quente de trovão, que o repita ainda, que sorria e pareça que fala sozinha.


Manuel Jorge Marmelo

Saturday, November 29, 2008

À saúde

… o melhor era reunirem todos os factos e todos os acontecimentos num livro, e depois reduzirem esse livro a metade do tamanho, e assim sucessivamente, até conseguirem pôr todos os conhecimentos do mundo numa frase de dez palavras.… depois cada um decoraria apenas esta frase, tendo tempo, então, para se divertir a sério e beber copos de absinto, uns a seguir aos outros, como os Deuses recomendam.


Gonçalo M. Tavares

Friday, November 28, 2008

Pequenos grandes luxos

De vez em quando sabe-me bem por lá passar. Inaugurado no início do Verão passado, na praia da Galé, há já alguns anos que uma vez por outra visitava a casa-mãe, em Almancil, de forma que no meu caso em particular não constituiu exactamente uma surpresa. Contudo, para quem desconheça a família, ou as lojas Apolónia, confesso que em tudo serão surpreendidos. Aliás, este foi um projecto de raiz, em que a superfície estudada ao milímetro, mesmo sem recheio poder-se-ia considerar perfeita! Porém, o que se torna num regalo para os olhos é exactamente o que lá dentro encontramos. Ao entrar deparamo-nos com uma atraente e extensa área, com uma sanca iluminada, ilustrada de imagens que indicam as diferentes secções. Depois, o atendimento faz questão em ser personalizado, numa altura em que na maioria dos casos somos frequentemente negligenciados, para que os funcionários ponham as suas conversas entre eles em dia!? Mas, o que verdadeiramente me encanta é a enorme diversidade, e a qualidade dos produtos, na sua maioria importados, e o modo como estão expostos, a fazer lembrar-me o Harrodds de Londres, da minha adolescência. Desde o talho, à charcutaria, ao sushi feito na hora, aos legumes e frutas fora de época, a toda a variedade de vinhos que se possa imaginar, aos queijos, foie gras, chocolates e doces, e tantos outros produtos gourmet, tudo nos leva a embarcar numa experiência - única para os sentidos! Especialmente na época de alegria festiva que atravessamos, não deixe de apreciar a excelência que a Apolónia nos proporciona, absolutamente inigualável nas redondezas.

Thursday, November 27, 2008

Colinas de Outono

Procuro num atlas de memória
a geografia do teu corpo, desenhando
os contornos de água, as colinas brancas
do Outono, os vales onde os viajantes
se perdem, rios que nascem de um abismo
de fonte. E a sombra de uma nuvem
cobre o segredo do teu mapa,
para que adivinhe os caminhos, e
a viagem se transforme
em descoberta.



Nuno Júdice

Tuesday, November 25, 2008

Monday, November 24, 2008

A origem dos males

No século VIII a.c., o poeta Hesíodo descreve-nos Pandora - a primeira mulher criada pelos deuses, que à semelhança da bíblica Eva, nos surge com a finalidade de punir o homem, num acto de plena vingança. Por ordem expressa de Zeus, Hefesto modela-a em pedra, Minerva atribui-lhe vida com um simples sopro, Afrodite encarrega-se de lhe dar beleza, e Apolo da sua voz suave e graciosa. As Graças adornam-na com colares de ouro, e finalmente Hermes dota-a de persuasão e astúcia. Antes de ser enviada à Terra, é-lhe entregue uma caixa com a advertência de que jamais seja aberta. Do seu conteúdo fazia parte uma série de maldições e desgraças, desde a discórdia, à guerra, e a toda a espécie de doenças, e somente um dom. Vencida pela curiosidade, acaba por a abrir, libertando de uma assentada todos os infortúnios do mundo. Fecha-a porém de seguida, antes de deixar escapar a esperança. Na mitologia grega, Pandora surge-nos desta forma, com o intuito de seduzir o homem, provocando-lhe a destruição. Esta narrativa mitológica continua a fascinar-nos nos dias de hoje, por estar directamente ligada à história da humanidade, com tudo o que nos atormenta. Esta terá sido a metáfora encontrada pelos gregos, para através dum enredo de fácil compreensão, nos demonstrar os conceitos relacionados com a natureza feminina, e consequentemente o poder da aniquilação, restando-nos a esperança, como único meio de não lhe sucumbirmos às tragédias.

Saturday, November 22, 2008

No teu ombro

se eu te pedisse um verso apenas
que palavras dirias para fixar a sombra
dentro dos meus olhos? essa árvore
de onde nascem os pássaros quase azuis
de tanto poisarem no teu ombro


Francisco José Viegas

Friday, November 21, 2008

Thursday, November 20, 2008

Viradas para o rio

Após um período de adolescência, em que até a carteira do colégio partilhámos, seguindo diferentes rumos, os encontros passaram a ser fugazes, e na maioria das vezes apenas por ocasião de algum casamento, ou morte de um familiar. Porém, o acaso levou a que a voltasse a procurar, decorridos todos estes longos anos. Assim, quando pelo S. Martinho lhe bati à porta do seu novo apartamento citadino, foi num amplo open-space, com zonas distintas, que me recebeu. Numa breve visita guiada, espreitei-lhe os quartos, sinónimos de conforto e bem-estar, a banheira de hidromassagem, e o corredor transformado em galeria, com quadros de cada um dos filhos pendurados nas paredes. Regressamos à sala, onde um segundo olhar me remete para alguns móveis carregados de memória, de uma avó materna em comum. Seguidamente evocamos a juventude, na partilha dum tempo que já lá vai. Entrelaçamos episódios da vida, e falamos das inseguranças do que parecia seguro, do que aprendemos através da dor, do que faz sentido e da irracionalidade, e onde passámos a repousar as esperanças, sucumbindo de novo ao amor, quando Lisboa começa a anoitecer. Levantamo-nos seguindo a luminosidade que nos chega do exterior. É dum enorme terraço que entra pelo Tejo, com o infinito do céu sobre ambas, que me confidencia dialogar com o pai, que já partiu, em noites mais contemplativas. De dia recupera ânimos com a visita dos netos, que ali mesmo se dedicam às suas actividades favoritas, e tal como nós, perseguem sonhos daquele mesmo local. Mesmo aqueles desejos que nunca alcançaremos são os que na marcha do tempo nos farão continuar a caminhar. Antes de a deixar, ainda me oferece umas tartelettes de cebola e espinafres, que saem douradas do forno, da sua cozinha imaculadamente branca. E consolidando a tradição, o fim de tarde termina com castanhas cozidas em erva-doce, e a imprescindível água-pé. «Pelo S. Martinho prova o teu vinho, ao cabo de um ano já não te faz dano».

Wednesday, November 19, 2008

Dúvidas

Nunca chegará a saber
O que mais o inebria:
Se o cheiro e a música do Mar,
Se o cheiro e o silêncio da Terra.



David Mourão-Ferreira

Tuesday, November 18, 2008

Blindness

Há alguns anos li o livro, e ontem fui ver o filme, adaptado do romance de José Saramago. Ambos representam a metáfora sobre a realidade dos nossos dias, atraindo-nos para o centro da história, quando o distanciamento, e a incapacidade de ver o outro, e o que se passa à nossa volta, acaba por nos fragilizar. Um homem começa por perder a visão, alastrando-se a epidemia a toda uma cidade. Depois, à mercê de uma série de condicionantes em que tudo parece desabar, e os piores sentimentos sobem à tona de água, apenas nessa altura nos reconhecemos iguais, propondo-nos reorganizar como sociedade. Somente uma mulher vê, sendo a única a deparar-se com o terror a que a civilização humana está sujeita. Como testemunha, ela obriga-nos a reflectir sobre o que sentimos sobre a nossa própria cultura, ou a forma como a sociedade se encontra estruturada, alertando-nos as consciências para a falta de dignidade humana. Projecto amplo, e drama psicológico, que nos sugere uma alegoria política e filosófica, quando o medo toma conta de cada um de nós.

Não se orientavam, caminhavam rente aos prédios com os braços estendidos para a frente, continuamente esbarravam uns nos outros como as formigas que vão no carreiro, mas quando tal sucedia não se ouviam protestos, nem precisavam falar, uma das famílias despegava-se da parede, avançava ao comprido da que vinha em direcção contrária, e assim seguiam e continuavam até ao próximo encontro… Cegos que, vendo, não vêem.

José Saramago

Monday, November 17, 2008

Adversidades


Foi se sentindo mais feio, mais sozinho e mais infeliz do que nunca. Naquele ano, o inverno chegou cedo e foi muito rigoroso. O patinho feio precisava nadar ininterruptamente, para que a água não congelasse à volta de seu corpo, criando uma armadilha mortal. Mas era uma luta contínua e sem esperança.

Saturday, November 15, 2008

Um laivo de sol

O seu universo é vivo, e por detrás de um recital de poesia, musical e ritmado, reencontro-a alegre, ousada, e mais vibrante do que nunca. Realça-se-lhe o trajar alentejano – expoente máximo da total criatividade que a caracteriza, em homenagem a Manuel da Fonseca (1911-1993), que ela teve o prazer de conhecer - poeta e prosador, por muitos considerado um dos melhores escritores portugueses do neo-realismo. Desde a «Planície», à «Seara ao Vento», à «Aldeia Nova», ao «Cerromaior», ou ao «Fogo e as Cinzas» que o espaço físico e humano do Alentejo nos é retratado de uma forma real, simbólica, e metafórica, segundo tão bem dissertou o Dr. Manuel Serra. Sem dúvida um dos maiores vultos contemporâneos a denunciar todo o desespero de uma época, através da importante intervenção social e política dos seus textos.
Nas tertúlias da Zizi lançam-se alicerces, e reabilita-se todo um espaço estático, que a intriga palaciana, e a influência e o poder (do nada!?), assombram no seu dia a dia. Com o seu novo figurino, de uma forma eficaz e espontânea, ela simplesmente se superioriza, permitindo-nos ir muito mais além do que seria habitual.

Tu e eu meu amor
Meu amor eu e tu
Que o amor meu amor
É o nu contra nu.

Manuel da Fonseca

Friday, November 14, 2008

O palácio perdido


Há tempos que estava para lá ir, e aproveitando a visita dum casal estrangeiro amigo, pensei que seria uma óptima oportunidade para não adiar um antigo desejo. Assim, na véspera de lá nos deslocarmos, propus-me estudar a lição, imaginando antecipadamente o brilharete que iria fazer no dia seguinte. Da minha pesquisa fiquei a saber que apenas distava de Faro 10 km, e que o palácio de fins do sec. XVIII, em estilo rococó, teria em tempos pertencido ao Visconde de Estói, numa área de cerca de 4 hectares. Exigente comigo própria, e não me satisfazendo somente com uma breve consulta, recorri ainda à Elisa, conhecedora da sua região como ninguém, que me terá aconselhado nos últimos pormenores. Afinal nada poderia falhar. Porém, logo à entrada demos de caras com um cartaz que nos impedia a entrada, informando que ao contrário do previsto as obras prolongar-se-iam até final de Agosto!? Isto nada teria de caricato, se não se tivesse passado a meio do passado mês de Outubro!
Aliás não estávamos a contar visitar o palácio, que de antemão sabíamos encontrar-se em obras de recuperação. Dos espelhos e estuques marmoreados do seu interior, a lembrar Versalhes, teríamos já prescindido vislumbrar, mas dos exuberantes jardins com plantas exóticas seculares, e aparentemente de um monumental cipreste já lamentamos, assim como dos vários lagos, estátuas importadas de Itália de valor incalculável, e dos azulejos azuis e brancos, pelos quais pessoalmente sou absolutamente apaixonada.
No entanto estou em crer, que uma vez terminado o restauro, por parte da unidade hoteleira privada que o adquiriu, dificilmente o público voltará a ter acesso a este complexo arquitectónico, único nesta zona do país. Mesmo assim, com alguma dificuldade, consegui captar uma pequena amostra de fotos, que me ficará na memória, e permanecerá para a posteridade. De regresso a casa valeu-nos um arroz de peixe, macio, enriquecido de camarões, servido muito quente e polvilhado de coentros, a lembrar o último risotto que apreciei em Roma - qual experiência gustativa, acompanhado de um bom vinho alentejano, claro está!

Thursday, November 13, 2008

Lacuna

O homem não deve poder ver a sua própria cara. Isso é o que há de mais terrível. A natureza deu-lhe o dom de não a poder ver, assim como de não poder fitar os seus próprios olhos.
Só na água dos rios e dos lagos ele podia fitar seu rosto. E a postura, mesmo, que tinha de tomar, era simbólica. Tinha de se curvar, de se baixar para cometer a ignomínia de se ver.
O criador do espelho envenenou a alma humana.
Bernardo Soares

Tuesday, November 11, 2008

Monday, November 10, 2008

Terra à vista

Lá vem a Nau Catrineta
Que tem muito que contar!
Ouvide agora, senhores,
Uma história de pasmar.
Passava mais de ano e dia
Que iam na volta do mar,
Já não tinham que comer,
Já não tinham que manjar.
Deitaram sola de molho
Para o outro dia jantar;
Mas a sola era tão rija,
Que a não puderam tragar.
Deitaram sortes à ventura
Qual se havia de matar;
Logo foi cair a sorte
No capitão general.
- "Sobe, sobe, marujinho,
Àquele mastro real,
Vê se vês terras de Espanha,
As praias de Portugal!"
- "Não vejo terras de Espanha,
Nem praias de Portugal;
Vejo sete espadas nuas
Que estão para te matar."
- "Acima, acima, gageiro,
Acima ao tope real!
Olha se enxergas Espanha,
Areias de Portugal!"
- "Alvíssaras, capitão,
Meu capitão general!
Já vejo terras de Espanha,
Areias de Portugal!
Mais enxergo três meninas,
Debaixo de um laranjal:
Uma sentada a coser,
Outra na roca a fiar,
A mais formosa de todas
Está no meio a chorar."
- "Todas três são minhas filhas,
Oh! quem mas dera abraçar!
A mais formosa de todas
Contigo a hei-de casar."
- "A vossa filha não quero,
Que vos custou a criar."
- "Dar-te-ei tanto dinheiro
Que o não possas contar."
- "Não quero o vosso dinheiro
Pois vos custou a ganhar."
- "Dou-te o meu cavalo branco,
Que nunca houve outro igual."
- "Guardai o vosso cavalo,
Que vos custou a ensinar."
- "Dar-te-ei a Nau Catrineta,
Para nela navegar."
- "Não quero a Nau Catrineta,
Que a não sei governar."
- "Que queres tu, meu gageiro,
Que alvíssaras te hei-de dar?"
- "Capitão, quero a tua alma,
Para comigo a levar!"
- "Renego de ti, demónio,
Que me estavas a tentar!
A minha alma é só de Deus;
O corpo dou eu ao mar."
Tomou-o um anjo nos braços,
Não no deixou afogar.
Deu um estouro o demónio,
Acalmaram vento e mar;
E à noite a Nau Catrineta
Estava em terra a varar.
Adaptação de Almeida Garrett

Friday, November 7, 2008

Em voz alta


Sem mais caber nos livros, eis que a sua poesia cristalina, exacta, e precisa, como se de geometria se tratasse, transborda pela voz de Afonso Dias – o anfitrião da noite, que guia toda uma plateia repleta de jovens, e menos jovens, na trajectória de toda uma existência.
Sophia de Mello Breyner Andresen encontra a essência da vida nas coisas mais pequenas, e sensível à realidade, empenha-se no combate desigual com feroz sarcasmo, projectando todo o seu sentido nos outros. O contacto real com a Grécia e o mar, que ela própria representa, constituem a compreensão da sua inspiração, que em voz alta evocámos apaixonadamente, num serão poético na Biblioteca Municipal.

Quando eu morrer voltarei para buscar
Os instantes que não vivi junto do mar.

Inscrição de Sophia de Mello Breyner Andresen

Thursday, November 6, 2008

Talvez

Deus – talvez esteja aqui, neste
pedaço de mim e de ti, ou naquilo que,
de ti, em mim ficou.

Nuno Júdice

Wednesday, November 5, 2008

A dimensão do olhar

Logo a abrir, apareces-me pousada sobre o Tejo como uma cidade de navegar. Não me admiro: sempre que me sinto em alturas de abranger o mundo, no pico dum miradouro ou sentado numa nuvem, vejo-te em cidade-nave, barca com ruas e jardins por dentro, e até a brisa que corre me sabe a sal.
Há ondas de mar aberto desenhadas nas tuas calçadas: há âncoras, há sereias. (…)
Em frente é o rio que corre para os meridianos do paraíso. O tal Tejo de que falam os cronistas enlouquecidos, povoando-os de tritões a cavalo de golfinhos.

José Cardoso Pires

Tuesday, November 4, 2008

A lógica dele

… Uma manhã apareci com uma flor para minha professora. Ela ficou muito
emocionada e disse que eu era um cavalheiro.
… E todos os dias fui tomando gosto pelas aulas e me aplicando cada vez mais.
Nunca viera uma queixa contra mim de lá.
… A escola. A flor. A flor. A escola…
Tudo ia muito bem quando Godofredo entrou na minha aula. Pediu licença e foi falar com D. Cecília Paim. Só sei que ele apontou a flor no copo. Depois saiu. Ela olhou para mim com tristeza. Quando terminou a aula, me chamou.
- Quero falar uma coisa com você, Zezé. Espere um pouco.
Ficou arrumando a bolsa que não acabava mais. Se via que não estava com vontade nenhuma de me falar e procurava coragem entre as coisas. Afinal se decidiu.
- Godofredo me contou uma coisa muito feia de você, Zezé. É verdade?
Balancei a cabeça, afirmativamente.
- Da flor? É, sim senhora.
- Como é que você faz? - Levanto mais cedo e passo no jardim da casa do Serginho. Quando o portão está só encostado, eu entro depressa e roubo uma flor. Mas lá tem tanta que nem faz falta.
- Sim, mas isso não é direito. Você não deve fazer mais isso. Isso não é um roubo, mas já é um “furtinho”.
- Não é não, D. Cecília. O mundo não é de Deus? Tudo que tem no mundo não é de Deus? Então as flores são de Deus também…
Ela ficou espantada com a minha lógica.
- Só assim que eu podia, professora. Lá em casa não tem jardim. Flor custa dinheiro…
E eu não queria que a mesa da senhora ficasse sempre de copo vazio.

José Mauro de Vasconcelos

Sunday, November 2, 2008

Em contramão

Ela desce a avenida, eu subo-a. As nossas vidas distintas tocam-se apenas nesse instante em que ela vem e eu estou indo. Solitários ambos, caminhando os dois no princípio da manhã, procurando preencher o vazio dos domingos em que nada acontece no profundo e matinal silêncio. A vida dela descendo a avenida, a minha subindo. As nossas solidões em contra-mão.

Manuel Jorge Marmelo

Friday, October 31, 2008

Feitiços nocturnos

Elas andam à solta, nesta sexta-feira diabólica, pelo menos no nosso imaginário. Vários são os mitos, acreditando-se que em noite de lua cheia, nos cheguem de vassouras voadoras, dando início à época de magia e rituais mais ocultos. Originalmente comemorado nos países anglo-saxónicos, o dia das bruxas depressa ganhou adeptos por todo o lado, quando crianças usando máscaras, saem pelas ruas pedindo doces, de porta em porta. Trick or treat? Talvez um creme de abóbora obrigada.

Thursday, October 30, 2008

Virar a página

Com o mundo farto de transitoriedade, eis que ele aí está, prestes a chegar. No combate ideológico, de uma eleição quase universal, definitivamente ele representa a mudança de paradigma. E quando a falta de esperança não nos deixa melhorar, é preciso escutar-lhe a voz, e o empolgamento do discurso, com a promessa de um sonho, rumo à presidência. Irresistivelmente Obama!

Wednesday, October 29, 2008

Fazes-me falta

Em nome da tua ausência
Construí com loucura uma grande casa branca
E ao longo das paredes te chorei

In the name of your absence
I built with madness a large white house
And wept all along its walls for you



Sophia de Mello Breyner Andresen
Translated by Richard Zenith

Monday, October 27, 2008

A magia das palavras


Não contei, mas ao todo deviam andar à volta duns 40, a rondar os 10, ou 11 anos de idade. Sensível à sonoridade das palavras, sorvia-as de cada uma daquelas crianças, uma a uma até final. Os primeiros a apresentar-se foram o Fábio e a Francesca, que leram parte de um conto por eles escrito o ano passado. Seguiram-se-lhes o Gonçalo, a Laura, o Tomás e tantos outros. Num momento em que por vezes, a língua tende a descaracterizar-se, de uma forma ordenada e exemplar, cada um através de pequenos textos ou poemas, veio dar corpo à própria imaginação, num exercício criativo absolutamente de louvar. No dia escolar das bibliotecas, estão de parabéns o professor Joaquim Veiga, e as professoras de Língua Portuguesa Marta Cirne e Isabel Pina, da Escola Dr. Francisco Cabrita, que contribuíram para o êxito desta iniciativa, da qual adorei participar. Termino com o registo do pequeno Raphael, que não deixou ninguém indiferente:

Vejo uma sombra que trespassa nos meus olhos e ao passar
sinto dor e mágoa dentro de mim.
Essa dor lembra-me o sofrimento
a mágoa faz-me lembrar quando
uma pessoa que gostamos muito desaparece.
Ao lembrar-me dessas coisas, vou
escrevendo palavra a palavra o
que sinto quando isso me acontece.
Mas, se um dia me lembrar de
outras coisas, possa ser que volte
a escrever, mas desta vez
a pensar nas coisas que me fazem
escrever com a minha sombra.

Sunday, October 26, 2008

O almoço

Já estava marcado há algum tempo, e nenhuma falhou. À volta da mesa entre uma salada de alface e romãs, com molho de iogurte, e uma nutritiva pasta de courgettes, abordámos o quotidiano e as derrocadas da vida, os colapsos emocionais e as dificuldades afectivas, a juventude perdida e o momento que vivemos. Voltamos a levantar-nos, e dirigindo-nos ao buffet, desta feita experimentamos um menu diferente – uma fatia de tarte de legumes, e uns pastelinhos, que tento adivinhar de que são, acompanhados de grão-de-bico, e de um esparguete fininho com leguminosas. Afinal todas as estatísticas indicam que seguindo uma dieta vegetariana, as incidências de doenças cardíacas, cancro e osteoporose são bastante mais reduzidas. A densidade dos nossos dias volta de novo à baila. Continuando a concentrar-nos nos afectos, falamos do que sentimos uns pelos outros, na incomunicabilidade de sentimentos, na natureza moral, e na intuição. De costas voltadas para o passado dizemos o que queremos para nós agora, e de toda uma carga dramática de que por vezes se revestem as nossas anónimas existências. Gelatina de laranja e um café fecham a sessão. Entretanto a Lena seguiu para um lanche de aniversário em família, e a Lurdes e eu ainda fomos assistir a um teatrinho infantil intitulado «O esqueleto do cozinheiro Akli» na Biblioteca Municipal, antes de regressarmos cada uma a suas casas. O que se nos escapou, o que sabemos, e o que nos transcende servirá de pretexto para um outro encontro, a realizar-se em breve entre as três.

Saturday, October 25, 2008

Convicções

A maior certeza que tem hoje:
A de que estamos no mundo
Por empréstimo.
Mas não por acaso.



David Mourão-Ferreira

Thursday, October 23, 2008

O enigma

Na passada segunda-feira recebi um sms, da parte de uma jovem, que fornecendo-me o nome da sua mãe, me desafiava para o jantar surpresa do seu 50º aniversário, num determinado restaurante, no dia x, a umas tantas horas! Sem saber de quem se tratava julguei que fosse engano, e nunca mais voltei a pensar no assunto, até que esta manhã voltei a receber nova mensagem. Desta vez a iniciativa partia dum filho da dita senhora, sugerindo que em vez de lhe levar um presente, contribuísse com 10 euros para que a mãe usufruísse de uma tarde de lazer num revitalizante spa!? Why not? Confesso que à segunda tentativa comecei a achar estranho, pois nenhum dos nomes até aí apontados me seria familiar. Julgando que o meu número de telemóvel pudesse ter sido confundido com o de outra pessoa, essa sim a verdadeira amiga da aniversariante, resolvi responder! Qual não foi o meu espanto quando o meu nome com o apelido de solteira me foi devolvido, seguido de um ponto de interrogação!? A partir daí eliminei qualquer conhecimento dos últimos 27 anos, quando passei a residir no Algarve. Foi então que optei por procurar no Google o tal restaurante, para ao menos ficar com uma ideia onde se situava. E voilà, em menos de 2 segundos já sabia que o mesmo se encontrava em Lisboa, na zona de Santos, com vista para o rio, e que servia sushi! De pista em pista, daí até chegar à pessoa em questão foi um passo, pois o círculo tornou-se muito mais restrito. Tudo isto para provar o quão imprescindível se tornou esta nova tecnologia, da qual pessoalmente dificilmente prescindiria. Quanto à festa de anos, infelizmente outros compromissos levam-me a não estar presente. Contudo, não pude deixar de recordar um outro jantar, também de sushi, apenas há uns meses atrás, na companhia da minha filha, não à beira Tejo, mas do Mississípi, em pleno inverno, embora em amena temperatura, quando de repente, voltei a sentir saudades dela.

Tuesday, October 21, 2008

Directo de Fátima


A primeira vez que por lá passei, não tinha mais que uma meia dúzia de anos. Aliás, de vez em quando volto lá, e ontem não foi excepção. Há quem acredite, quem pense que tudo não passa de um mito, ou de uma invenção, ou até quem creia tratar-se de um daqueles fantásticos episódios com óvnis (!?), mas para mim o que realmente importa é a tranquilidade e energia que recolho de cada vez que a visito. Inserida num grupo maioritário irlandês, num só dia percorremos 780 km numa totalidade de 13 horas, apenas com breves paragens para esticar as pernas, e confortar o estômago. No regresso, de olhos semi-cerrados pelo cansaço e pelo exercício de interiorização, não pude deixar de pensar na metamorfose de Fátima, desde os finais da década de 50, quando a conheci, até aos dias de hoje, com a nova basílica a impressionar qualquer um! Se de repente lá me desvendassem os olhos, sem saber onde me encontrava, a primeira ideia que me viria à cabeça para identificar o lugar, seria de imediato as Nações Unidas, tal qual como a imagino em dimensão!? Depois veio-me à lembrança um comentário de um jovem brasileiro residente em Belfast, que me confidenciou ter-lhe agradado mais a pequena localidade onde os pastorinhos tinham vivido – simples, humilde, parada no tempo! Para mim essa é a inalterada imagem que me permanece no espírito, e aquela que o excessivo comércio, e a opulência não me induziram em erro, nem me desviaram da genuína mensagem de Fátima, que muitos nunca chegarão a entender ou alcançar.

Monday, October 20, 2008

Projectando

Sei que estou vivo e cresço sobre a terra.
não porque tenha mais poder,
nem mais saber, nem mais haver.
Como lábio que suplica outro lábio,
como pequena e branca chama de silêncio,
como sopro obscuro do primeiro crepúsculo,
sei que estou vivo,
vivo sobre o teu peito,
sobre os teus flancos,
e cresço para ti.



Eugénio de Andrade

Saturday, October 18, 2008

Mais perto do céu

Este foi o primeiro encontro, dum ciclo de conversas e partilha de diferentes informações, da iniciativa de Nicole Bertemes, na Biblioteca Municipal. Ninguém tem dúvidas que tudo se encontra em permanente mutação, e que nada acontece meramente por acaso. Pelo contrário, cada facto terá a sua razão de ser. Numa altura em que a Terra se encontra à beira da rotura, torna-se imprescindível aprender a transformar o egoísmo, e tantas outras energias negativas, tornando-nos receptivos à abertura das nossas próprias consciências. Afinal o propósito de todos é um dia alcançar a eternidade. Na caminhada até lá, e antes de vislumbrarmos a pureza absoluta, precisamos de abraçar o amor incondicional, amando-nos a nós próprios, e num segundo passo a todos os outros, de forma igualitária, destituída de condições. Na maior parte dos casos o ser humano vive de aparências, olhando para o exterior, em vez de para dentro. Passamos metade da vida a culpabilizar os outros, sem nunca nos responsabilizarmos, mentindo conscientemente para não os magoarmos, quando a mentira acaba por atrair mais mentiras, e nos ferir. Vivemos o ano inteiro mascarados, funcionando numa espécie de falsa sociedade, acabando por consentir que a mesma nos molde a consciência. Onde está a nossa transparência? Uma vez por todas escutemos o coração – voz das nossas almas, vivendo as experiências do dia a dia, sem sentimentos de culpa. Dispamo-nos do supérfluo, vivendo tão-somente com o essencial. Só assim evoluiremos melhor e mais depressa, sem bloqueios e tanto sofrimento, criando uma nova realidade, inspirados pela nossa essência divina, onde a mulher flui em seu papel libertador.

Friday, October 17, 2008

Folhas ao vento

Uns dizem que sem esperança a vida é impossível, outros que com esperança é vazia. Para mim, que hoje não espero nem desespero, ela é um simples quadro externo, que me inclui a mim, e a que assisto como um espectáculo sem enredo, feito só para divertir os olhos – bailado sem nexo, mexer de folhas ao vento, nuvens em que a luz do sol muda de cores, arruamentos antigos, ao acaso, em pontos desconformes da cidade.