prende-me aos teus braços com fios de água
e cordéis da tarde de prata. esqueci os ferimentos
mais dolorosos, as noites de neblina quando o barco
rompia as águas do mar. agora quero que
me prendas aos teus braços até que sequem as
romãs e venha a chuva a água mais pura tocar
o rosto, rememos juntos pelo rio até à casa
mais branca das suas margens
vi já os melhores espíritos da minha geração
morrerem de orgulho e de fome vi já a tempestade
levar muitos corpos até ao mar
vi gerações inteiras morrer de orgulho
agora prende-me aos teus braços.
Saturday, August 30, 2008
Friday, August 29, 2008
Proximidade e distância
No mito, Dafne é uma encantadora jovem que gosta de correr pelos bosques, caçando, porém, atrai a atenção do grande deus Apolo, que imediatamente se apaixona por ela. Este persegue-a, tentando convencer a linda ninfa a não fugir, no entanto ela não reage, tornando-se ainda mais aliciante. É como se existisse uma certa atracção em escapar à intimidade, não apenas para quem foge, mas também para quem persegue.
Quando Apolo parece estar prestes a apanhá-la, ela pede ajuda ao pai, Peneu – o deus do rio, e ouvida a sua prece, fora do alcance de Apolo gradualmente se vai metamorfoseando numa frondosa árvore, sublimação da natureza, que se ergue para o céu, ramificando os braços em direcção à pureza e transcendência. A resistência de Dafne - intocável, em segurança dentro da sua casca, e sem ligação ao mundo, surge-nos como a ressurreição da vida vulgar em poesia.
Quando Apolo finalmente a apanha, decide colher as folhas de louro – ramos dessa mesma árvore, que passam a representar uma espécie de celebração após a luta. A sua luxúria acaba por se realizar simbolicamente, em vez de fisicamente. Quanto a Dafne poderá ter escapado a Apolo optando pela fuga como forma de vida, mas não deixa de perder a sua liberdade, ao tornar-se num ser com raízes na terra, e sujeito ao seu clima. Oscilar entre estas duas reivindicações do coração pode por vezes ser um combate frustrante e infindável. Perseguir e fugir, ou ser sensual e casto acabam assim por ser contradições da própria vida.
Quando Apolo parece estar prestes a apanhá-la, ela pede ajuda ao pai, Peneu – o deus do rio, e ouvida a sua prece, fora do alcance de Apolo gradualmente se vai metamorfoseando numa frondosa árvore, sublimação da natureza, que se ergue para o céu, ramificando os braços em direcção à pureza e transcendência. A resistência de Dafne - intocável, em segurança dentro da sua casca, e sem ligação ao mundo, surge-nos como a ressurreição da vida vulgar em poesia.
Quando Apolo finalmente a apanha, decide colher as folhas de louro – ramos dessa mesma árvore, que passam a representar uma espécie de celebração após a luta. A sua luxúria acaba por se realizar simbolicamente, em vez de fisicamente. Quanto a Dafne poderá ter escapado a Apolo optando pela fuga como forma de vida, mas não deixa de perder a sua liberdade, ao tornar-se num ser com raízes na terra, e sujeito ao seu clima. Oscilar entre estas duas reivindicações do coração pode por vezes ser um combate frustrante e infindável. Perseguir e fugir, ou ser sensual e casto acabam assim por ser contradições da própria vida.
Wednesday, August 27, 2008
Tuesday, August 26, 2008
Os pássaros/The birds
Ouve que estranhos pássaros de noite
Tenho defronte da janela:
Pássaros de gritos sobreagudos e selvagens
O peito cor de aurora, o bico roxo.
Falam-se de noite, trazem
Dos abismos da noite lenta e quieta
Palavras estridentes e cruéis.
Cravam no luar as suas garras
E a respiração do terror desce
Das suas asas pesadas
Hear what strange birds I have
In the night outside my window.
Birds with wild and shrill cries,
Dawn-coloured breasts and purple-red beaks,
They talk at night, they bring
Strident, cruel words
From the depths of the slow, still night,
They sink their claws into the moonlight,
And the breath of terror descends
From their heavy wings
Sophia de Mello Breyner Andresen
Translated by Richard Zenith
Tenho defronte da janela:
Pássaros de gritos sobreagudos e selvagens
O peito cor de aurora, o bico roxo.
Falam-se de noite, trazem
Dos abismos da noite lenta e quieta
Palavras estridentes e cruéis.
Cravam no luar as suas garras
E a respiração do terror desce
Das suas asas pesadas
Hear what strange birds I have
In the night outside my window.
Birds with wild and shrill cries,
Dawn-coloured breasts and purple-red beaks,
They talk at night, they bring
Strident, cruel words
From the depths of the slow, still night,
They sink their claws into the moonlight,
And the breath of terror descends
From their heavy wings
Sophia de Mello Breyner Andresen
Translated by Richard Zenith
Sunday, August 24, 2008
Saturday, August 23, 2008
Ingenuidade/Naive
Foi aí pelos doze anos,
E era Verão: durante alguns dias
Cometeu a imprudência
De pensar que o Mundo
Poderia ser perfeito.
He was about twelve years old,
And it was summer: for a while
He was naïf enough
To think that the World
Could be perfect.
E era Verão: durante alguns dias
Cometeu a imprudência
De pensar que o Mundo
Poderia ser perfeito.
He was about twelve years old,
And it was summer: for a while
He was naïf enough
To think that the World
Could be perfect.
David Mourão-Ferreira
Friday, August 22, 2008
O peso do ouro/ The golden weight
Somos tão poucos, mas à distância tantos foram os que ontem o seguiram como a última esperança. E levado pela ambição e exigência própria dum super atleta, num espectacular triplo salto de mais de 17 metros, voou para o ouro, alcançando o pódio, numa competição digna de um campeão.
Os primeiros saltos da escola secundária serviram-lhe de impulso, desenvolvendo depois um árduo trabalho ao longo dos anos, quando ultrapassou adversários, sem nunca deixar de acreditar. Tal como Carlos Lopes, Rosa Mota e Fernanda Ribeiro, Nelson Évora fica também para a História com o seu positivo desempenho. Que todos vibremos, com a próxima missão olímpica de Londres, já com 2012 em mente.
Os primeiros saltos da escola secundária serviram-lhe de impulso, desenvolvendo depois um árduo trabalho ao longo dos anos, quando ultrapassou adversários, sem nunca deixar de acreditar. Tal como Carlos Lopes, Rosa Mota e Fernanda Ribeiro, Nelson Évora fica também para a História com o seu positivo desempenho. Que todos vibremos, com a próxima missão olímpica de Londres, já com 2012 em mente.
Nelson Evora won yesterday the first gold medal for the country, by edging his opponents in men's triple jump at the Beijing Olympic Games. His 17,67 metre result has made the top performance of all Portuguese athletes so far.
Thursday, August 21, 2008
Rumor/Murmur
Acorda-me
Um rumor de ave.
Talvez seja a tarde
A querer voar.
A levantar do chão
Qualquer coisa que vive,
E é como um perdão
Que não tive.
Talvez nada.
Ou só um olhar
Que na tarde fechada
É ave.
Mas não pode voar.
Birds awaken me,
A rumour of light.
Perhaps it is the afternoon
Wishing to take flight.
Rising from the ground
Something that is living,
Just like the forgiveness
That I was never given.
Nothing in the room.
Or just a gaze
That in the sinking afternoon
Is a bird.
That cannot soar or blaze.
Eugénio de Andrade
Wednesday, August 20, 2008
Tuesday, August 19, 2008
Monday, August 18, 2008
Everytime
Everytime we say goodbye, I die a little,
Everytime we say goodbye, I wonder why a little,
Why the Gods above me, who must be in the know.
Think so little of me, they allow you to go.
When you're near, there's such an air of spring about it,
I can hear a lark somewhere, begin to sing about it,
There's no love song finer, but how strange the change from major to minor,
Everytime we say goodbye.
Cole Porter
Sunday, August 17, 2008
Saturday, August 16, 2008
Olhares indiscretos
«Com ambrósia, começa por apagar do seu corpo desejável todas as impurezas. Unta-o a seguir com um óleo gorduroso, divino e suave, cujo perfume é feito por ela; quando ela o agita no palácio de Zeus na entrada de Bronze, o seu aroma inunda a terra e o céu. Unta com ele o seu belo corpo, depois penteia os cabelos com as próprias mãos e entrança-o em tranças luzidias, que pendem, belas e divinas, do alto da sua fronte eterna»
Ilíada de Homero, XIV, 170-177 (sobre Hera)
«Após o que veste um vestido divino que Atena para ela havia feito e polido; juntando-lhe grande número de ornamentos. Com broches de oiro prende-o no colo. Cinge-se com um cinto de cem franjas. Nos lóbulos furados das suas orelhas enfia os brincos, de três gemas cada, grandes como amoras, de um brilho infinito. A cabeça, por fim, cobre-a a divina com um belíssimo véu, ainda por estrear, branco como o sol. Nos formosos pés, calça belas sandálias»
Ilíada de Homero, XIV, 178-186 (sobre Hera)
Ilíada de Homero, XIV, 170-177 (sobre Hera)
«Após o que veste um vestido divino que Atena para ela havia feito e polido; juntando-lhe grande número de ornamentos. Com broches de oiro prende-o no colo. Cinge-se com um cinto de cem franjas. Nos lóbulos furados das suas orelhas enfia os brincos, de três gemas cada, grandes como amoras, de um brilho infinito. A cabeça, por fim, cobre-a a divina com um belíssimo véu, ainda por estrear, branco como o sol. Nos formosos pés, calça belas sandálias»
Ilíada de Homero, XIV, 178-186 (sobre Hera)
Friday, August 15, 2008
Wednesday, August 13, 2008
Nem grande nem inteligente
O meu país sabe as amoras bravas
no verão.
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país,
talvez nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
reparo que também no meu país o céu é azul.
Sophia de Mello Breyner Andresen
Tuesday, August 12, 2008
Súplica
Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.
Perde-se a vida a desejá-la tanto
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.
Miguel Torga
Monday, August 11, 2008
Poente
Como sempre, o vento
caiu ao fim da tarde, com a calma
branca dos muros; e as horas
estendiam-se pelo campo,
como os pássaros do poente.
Mas doíam-me as dúvidas
que trouxe deste dia; e
colei-as às flores de uma árvore,
para que delas nasçam
os frutos luminosos de amanhã.
De noite, quando me esquecer
da ondulação verde da terra,
ouvirei o silêncio - e nas suas palavras
contarei as sílabas mudas do amor,
enquanto o mundo não acorda.
Nuno Júice
caiu ao fim da tarde, com a calma
branca dos muros; e as horas
estendiam-se pelo campo,
como os pássaros do poente.
Mas doíam-me as dúvidas
que trouxe deste dia; e
colei-as às flores de uma árvore,
para que delas nasçam
os frutos luminosos de amanhã.
De noite, quando me esquecer
da ondulação verde da terra,
ouvirei o silêncio - e nas suas palavras
contarei as sílabas mudas do amor,
enquanto o mundo não acorda.
Nuno Júice
Sunday, August 10, 2008
Friday, August 8, 2008
Desígnios da Universalidade
Já 2500 anos antes de Cristo, que a cada quatro anos, centenas de atletas se reuniam para disputar um conjunto de modalidades desportivas. Ainda hoje os Jogos Olímpicos reflectem a disciplina de toda uma sociedade, mantendo a sua dimensão religiosa pela pacificação, tal como na civilização grega se promovia a amizade e a unidade helénica. Esta forma desportiva ritualista teve hoje dia 08-08-08 a sua cerimónia de abertura, na China, que através dos 29º Jogos Olímpicos de Verão projectam o país no futuro, quando os grandes atletas irão ficar na nossa memória colectiva para todo o sempre.
Tuesday, August 5, 2008
Brisa de Verão
«…… De um quarto quente, corremos a uma varanda, uma praia ou uma janela. O mar visita-nos mesmo no espelho. Ao crepúsculo, um sangue alaranjado aflui ao rosto das casas. Depois do mar, sulcamos a terra, a caminho da noite, viajamos na brisa, na fugitiva liberdade dos nossos sonhos.»
António Ramos Rosa
António Ramos Rosa
Monday, August 4, 2008
Existências
Quem me lá levou foi uma amiga em comum. Surpreendi-a no seu recôndito recanto, entre o colorido de mil flores, e alguns dos seus animais de estimação. A saber as cadelas Diana, e Carlota, o coelho Nini, e a galinha Nandinha. Com isto espero não estar a cometer nenhuma inconfidência, pois afinal foi há pouco tempo que me aproximei da Mécia, a propósito do seu fantástico quadro «Outono no Canal». Fui em busca de mais obras-primas, mas surpreendentemente constatei, que apenas pinta há 2 anos, e é na salinha da máquina de costura que me deparo com os arcos de Faro, Lagoa, e Albufeira, executados a lápis de aguarela, quando se inicia. Por cima da lareira encontra-se o seu quadro das «Papoilas» em pastel seco, enquanto que a «Rosa» tem lugar de destaque no quarto, ambos de 2006. O ponto de cruz é também o seu forte, e já em 1998 o jeito lhe é reconhecido através duma menção honrosa, num concurso a que terá participado em Vila Nova de Gaia. Mas os seus talentos não ficam por aqui, e apesar de lhe notar uma certa reserva, inesperadamente prolonga-nos a tarde partilhando connosco um momento poético. Os sons, e as cadências despertam um passado adormecido amargurado, que em nada se parece já com o seu presente. Actualmente, os dias para a Mécia decorrem na tranquilidade da sua casa térrea, na companhia dos que lhe são mais fiéis, reproduzindo da sua marquise repleta de luz, uma a uma, as maravilhosas flores que a rodeiam.
No poema ficou o fogo mais secreto
O intenso fogo devorador das coisas
Que esteve sempre muito longe e muito perto
No poema ficou o fogo mais secreto
O intenso fogo devorador das coisas
Que esteve sempre muito longe e muito perto
Sophia de Mello Breyner Andresen
Saturday, August 2, 2008
Friday, August 1, 2008
Opções
Não vale a pena contar. Quem teve a sorte de viver, sabe do que falo; quem não viveu, não consegue sequer imaginar. Porque esse Sul que chegava a parecer irreal de tão belo, esse litoral alentejano e algarvio, não é hoje mais do que uma paisagem vergonhosamente prostituída. Sim, sim, eu sei: o desenvolvimento, o turismo, a balança comercial, os legítimos anseios das populações locais, essa extraordinária conquista de Abril que é o poder local. Eu sei, escusam de me dizer outra vez, porque eu já conheço de cor todas as razões e justificações. Não impede: prostituíram tudo, sacrificaram tudo ao dinheiro, à ganância e à construção civil. E não era preciso tanto nem tão horrível.
Podiam, de facto, ter escolhido ter menos turistas em vez de quererem albergar todos os selvagens da Europa, que nem sequer justificam em receitas os danos que em seu nome foram causados. Podiam ter construído com regras e planeamento e um mínimo de bom gosto. Podiam ter percebido que a qualidade de vida e a beleza daquelas terras garantiam trezentos anos de prosperidade, em vez de trinta de lucros a qualquer preço.
E todos os anos, por esta altura, percorrendo estas terras que guardo na memória como a mais incurável das feridas, faço-me a mesma pergunta: Porquê? Porquê tanta devastação, tanto horror, tanta construção, tanta estupidez? Tanto prédio estilo-Brandoa, tanto guindaste, tanto barulho de obras eternas, tanta rotunda, tanta 'escultura' do primo do cunhado do presidente da câmara, e sempre as mesmas estradas, os mesmos (isto é, nenhuns) lugares de estacionamento, os mesmos (isto é, nenhuns) espaços verdes?
Podiam, de facto, ter escolhido ter menos turistas em vez de quererem albergar todos os selvagens da Europa, que nem sequer justificam em receitas os danos que em seu nome foram causados. Podiam ter construído com regras e planeamento e um mínimo de bom gosto. Podiam ter percebido que a qualidade de vida e a beleza daquelas terras garantiam trezentos anos de prosperidade, em vez de trinta de lucros a qualquer preço.
E todos os anos, por esta altura, percorrendo estas terras que guardo na memória como a mais incurável das feridas, faço-me a mesma pergunta: Porquê? Porquê tanta devastação, tanto horror, tanta construção, tanta estupidez? Tanto prédio estilo-Brandoa, tanto guindaste, tanto barulho de obras eternas, tanta rotunda, tanta 'escultura' do primo do cunhado do presidente da câmara, e sempre as mesmas estradas, os mesmos (isto é, nenhuns) lugares de estacionamento, os mesmos (isto é, nenhuns) espaços verdes?
Miguel Sousa Tavares
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