A cada
Primavera, cantam, intensamente, as árias mais doces. A serenidade que
projectam, rumo ao desconhecido, reveste-se de espectacularidade ao atravessar um
tempo ainda por resgatar.
Saturday, May 31, 2014
Friday, May 30, 2014
Suporte visual
Não
sabemos com exactidão quanto duram. Talvez, não mais que uns dias, e depois
disso o que porventura fica? Dir-se-á, a exaltação da cor, ou o que nos deteve
o olhar, desencadeando uma forma de harmonia que, eventualmente acaba por se diluir.
Thursday, May 29, 2014
Do quotidiano
A imensidão do oceano permitia-lhe fugir aos
lugares-comuns. Em especial, quando flutuava, por um período de tempo mais ou
menos prolongado, criando espaço para reflexões, achando solução para as
situações mais ingratas. No fim de contas, era uma longa viagem através da
expansão de horizontes que, lhe permitia usufruir de uma outra perspectiva.
Wednesday, May 28, 2014
Apenas figurantes
Às 10 e meia,
dividia os dias com o resto da gente sem rumo ou identidade. O sol da Primavera
aquecia-lhe a nuca num universo de personagens caóticas que, apareciam e
desapareciam. Tudo estava lá. O sofrimento social, a dificuldade de
financiamento, a tragédia económica e a política suicida. A dado
passo afastavam-se horrorizados.
As vozes irrompiam.
Descontínuas e desordenadas, oscilando entre o grau de incerteza e a quebra de
solidariedade, sobrepondo-se aos pecados que lhes foram atribuídos e que era
compulsivo expiar. Mal sonhavam eles que as consequências futuras viriam a ser
ainda mais graves.
Tuesday, May 27, 2014
A pobreza
A pobreza surge
dentro de nós embora cautelosos deitados de manhã e
de tarde ou simplesmente de noite despertos. Ambos meu amigo
estamos
sentados neste momento perfeitamente incautos já.
Contemplamos um país
e sentamo-nos e vestimo-nos e comemos e admiramos os
monumentos e
morremos.
Luiza Neto Jorge in Difícil Poema de Amor – Poesia - Assírio
& Alvim - 2ª edição - 2001
Monday, May 26, 2014
Visita guiada
Da margem do Arade avisto a serra
de Monchique, a marina de Portimão e o encontro entre o rio e o mar em
permanente convívio com a vila e a população de turistas e pescadores, onde
também descubro becos e ruas estreitas, deixando-me encantar por cada um destes lugares.
Sunday, May 25, 2014
Outro rumo
Porque a minha
mão infatigável
procura o interior e o avesso
da aparência
porque o tempo em que vivo
morre de ser ontem
e é urgente inventar
outra maneira de navegar
outro rumo outro pulsar
para dar esperança aos portos
que aguardam pensativos
Mia Couto in Confidência
Saturday, May 24, 2014
Friday, May 23, 2014
Sinais de um tempo
Numa altura em que o tempo é de desagregação da
Europa, eis que somos chamados por ela a votar. Mas sobre a mesma nem uma
palavra. A união simplesmente não existe e os temas centrais deram lugar a uma
campanha patética e pobre. Sem se discutir a Europa, em jogo resta todo um
sentimento de descontentamento que, se reflectirá nos votos de protesto ou na
desmobilização do eleitorado que nem sequer irá votar.
Thursday, May 22, 2014
O aceno
O espaço esvazia-se até ao limiar da memória, onde alastra o
meu cansaço, o afago quente de um choro, o aceno de sinais que se correspondem
como ecos de um labirinto. Num oblíquo aviso afloro o que estremece sob os
gestos enfim apaziguados.
Vergílio Ferreira in aparição
Wednesday, May 21, 2014
A estranheza do ser
Nós
somos imprevisíveis. Às vezes olhamo-nos ao espelho e, mesmo sem dizer,
recuperamos aquele verso de Rimbaud, "eu sou um outro". Quem é este
que me olha ao espelho? Olhamos para nós e há uma estranheza de ser que nunca
se cura: mas sou assim? que caminho é este? que tempos são estes que me
habitam? Somos também um segredo para nós mesmos e temos de aceitar-nos assim.
Somos um enigma, uma pergunta e temos de aceitar isso. Caso contrário nunca
teremos paz. Habitaremos sempre a divisão e o conflito. Há, portanto, um
momento em que é preciso dizer: "está bem, é assim; eu não explico, eu não
concebo, eu não programo, mas é assim, e vou fazer alguma coisa com isso.
José Tolentino Mendonça in Nenhum caminho será
longo
Tuesday, May 20, 2014
Lugares recônditos
Numa casa, aqui e ali, há espaços intermédios
que, exigem a concentração de quem observa. Iluminados e frescos, neles se
vivem instantes contagiantes que, se renovam a cada manhã e, antes do mais, transformam
um percurso incerto em algo inesperado e verdadeiramente inspirador.
Monday, May 19, 2014
Olho-te
Olho-te pelo reflexoDo vidro
E o coração da noite
E o meu desejo de ti
São lágrimas por
dentro,Tão doídas e fundas
Que se não fosse:
o tempo de viver;
e a gente em social
desencontrado;e se tivesse a força;
e a janela ao meu
ladofosse alta e
oportuna,invadia de amor o teu
reflexoe em estilhaços de
vidromergulhava em ti.
Ana Luísa Amaral In Anos 90 e Agora - Quasi Edições
Sunday, May 18, 2014
Saturday, May 17, 2014
Nas horas vagas
A partir do momento que as temperaturas começavam
a subir, lá os víamos pendurados por todo o lado. Simplesmente reapareciam, nas
lojas, alinhados por cores e, minuciosamente, ordenados por tamanhos. A maior
parte de quem passava não conseguia desviar o olhar, e embora o desejo nem
sempre se cumprisse, depois de tanto despe e veste, na altura decisiva, lá se
vendia mais um.
Friday, May 16, 2014
O mistério de solidão
Compreendi hoje, um pouco melhor, o mistério de solidão. A
comunidade tem de estar dispersa, viver na tensão de encontrar-se sem duradouro
encontro, cultivar o poder absoluto de estar só, que só ele é inofensivo; é um
corpo vivo sem jugo; a comunidade é a diáspora.
Por estes dias sentia-me perturbada, dissolvida na água. Sempre
tensa, à procura, em movimento dentro de uma ordem infinita e pré-estabelecida.
O trabalho a realizar quotidianamente é mais forte do que conhecer e escrever;
estou sempre à espera de poder parar, mas a noite é temporária e ponte para um
dia igual. [...]
Maria Gabriela Llansol, Numerosas Linhas - Livro de Horas
III - Assírio & Alvim, 2013
Thursday, May 15, 2014
A desorientação
Alice sentia-se tão desesperada
que estava pronta para pedir ajuda a qualquer um: então, quando o Coelho chegou
perto dela, perguntou-lhe em voz baixa: - «Por favor». O Coelho parou
violentamente, deixando cair as luvas brancas e o leque que levava, e saiu
disparado. Alice apanhou o leque e as luvas, e, começou a abanar-se enquanto
falava:
- Como tudo está hoje tão estranho quando ontem as coisas
pareciam tão normais! O que será que mudou durante a noite? Deixa-me ver: eu
era a mesma quando acordei de manhã? Tenho a impressão de me ter sentido um
pouco diferente. Mas se eu não sou a mesma, a questão é "Quem sou
eu?"
Lewis Carroll in Alice no País das Maravilhas
Wednesday, May 14, 2014
O dia alto
alto dia que me é dedicado,
mais altas são as frutas se me atrevo a
olhá-lo,
no tumulto da alfazema onde aos poucos
enquanto morro,
do açafrão enquanto morro aos poucos,
e o oxigénio explode
herberto helder in servidões - assírio & alvim - 2013
Tuesday, May 13, 2014
A certa altura
Ágil e leve,
mergulha, onde o silêncio é total. Lá em baixo, o mundo era outro, e o seu
olhar vagueava pelo insólito do lugar. Longe do tempo tudo parecia acabar bem.
Monday, May 12, 2014
O ciclo de acções
Entender a Lei do Karma é dar espaço entre o pensamento e a acção para que o intelecto tenha tempo de trazer à tona a consciência plena sobre o que fazer. Quando entendemos que nossas reacções criam reacções posteriores, e que a paz é nossa natureza e amor a nossa qualidade original, podemos ser verdadeiros connosco mesmos e responder com tolerância, paciência e força quando as situações negativas surgem.
Brahma Kumaris
Sunday, May 11, 2014
Friday, May 9, 2014
O vento
O vento que leva o que amamos é o mesmo vento que traz coisas que aprendemos a amar.
autor desconhecido
Thursday, May 8, 2014
Uma torrente de palavras
Um rio de
escondidas luzes
atravessa a
invenção da voz:
avança
lentamente
mas de
repente
irrompe
fulminante
saindo-nos
da boca
No espantoso
momento
do agora da
fala
é uma
torrente enorme
um mar que
se abre
na nossa
garganta
Nesse rio
as palavras
sobrevoam
as abruptas
margens do sentido
Ana Hatherly in O Pavão
Negro - Assírio
& Alvim
Wednesday, May 7, 2014
É Primavera!
O muguet é uma flor
escondida. É uma flor pequenina e branca e tem um perfume mais maravilhoso e
mais belo do que o perfume dos nardos.
Durante o Inverno ela dorme
na terra debaixo das folhas secas e desfeitas das árvores. Dorme como se
tivesse morrido. Mas na Primavera as suas longas folhas verdes furam a terra e
crescem durante alguns dias até terem um palmo de altura. Então muito devagar
as folhas vão-se abrindo e mostram à luz maravilhada as campânulas aéreas,
brancas e bailarinas da flor do muguet. E o vento da tarde toma em si o perfume
do muguet, leva-o consigo, e espalha-o no jardim todo.
Então tudo no jardim
estremece e as grandes tílias e os velhos carvalhos e as flores recém-nascidas
e as relvas e as borboletas dizem:
- É Primavera! É Primavera!
Sophia de Mello Breyner Andresen
in O rapaz de Bronze
Tuesday, May 6, 2014
O bilhete
Saio da cama pela fenda do lençol e fecho-a
sobre ti. Toco o chão ao de leve, como uma ave repousa na pele das ondas. Visto-me
às escuras - tão mais discreta a blusa do avesso, a saia tão distraída nas
costuras. Vou para a cozinha de sapatos na mão e escrevo-te um bilhete:
deixei-te um beijo sobre a tua almofada antes de sair.
Monday, May 5, 2014
A espera
É a altura de escrever sobre a espera. A espera tem unhas
de fome, bico
calado, pernas para que as quer. Senta-se de frente e de
lado em qualquer
assento. Descai com o sono a cabeça de animal exótico
enquanto os olhos se
fixam sobre a ponta do meu pé e principiam um movimento
de rotação em
volta de mim em volta de mim de ti.
Luiza Neto Jorge
Sunday, May 4, 2014
As estrelas de oiro
«Certa manhã acordei sozinho em
casa. Acordei a chorar.- Ó mãe, mãe... – Mas a mãe não vinha. Não havia mãe.
Havia só a porta fechada. – Ó mãe, mãe... – E a casa deserta. Pelas frinchas
largas da porta via a manhã lá fora. Era uma manhã de sol quente, talvez de
Julho, talvez de Agosto. Devia haver medas de palha na eira em frente. Mas os
meus olhos mal viam, estavam rasos de água e de angústia. – Ó mãe, mãe... – E
de repente, na manhã clara, começaram a cair estrelas pequeninas, estrelas
verdes, vermelhas, estrelas de oiro. As lágrimas caíam-me pela cara.- Ó mãe,
mãe... – O nariz esmagado contra a porta, os olhos muito abertos, vendo através
da frinchas as estrelas caindo, umas atrás das outras. – Ó mãe, mãe....»
Eugénio de Andrade in Os Amantes sem Dinheiro (1950)
Saturday, May 3, 2014
Friday, May 2, 2014
Silêncios
"...os silêncios são parte da conversa. O silêncio é
uma outra maneira da palavra viver e há coisas que não podem ser ditas de outra
maneira”.
Mia Couto in Jerusálem
Thursday, May 1, 2014
Emoções fortes
Quando chega, como por milagre, o
mundo entra, simplesmente, em festa. Por outro lado, num crescendo processo de
metamorfose infinita, traz-nos cores vibrantes e intensos aromas, a partir de
uma realidade quase ficcional de tão perfeita. A sua pose é expressiva à luz
intemporal e na sua ausência remeto-me para imaginários que me sustêm até à sua
próxima versão.
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